Quem costuma ler minhas colunas já deve ter percebido como adoro filmes tristes, perturbadores, talvez nauseantes. Acho que tem a ver com a busca por equilíbrio emocional: considero minha vida, a pessoal e a profissional, muito feliz, daí uso o cinema para balancear.
Para esta sexta-feira 13, indico cinco filmes de terror para quem, como eu, gosta de passar mal. Todos são recentes e podem ser encontrados no streaming.
Os títulos permitem dar uma pequena volta ao mundo, pois são assinados por diretores de cinco países localizados em três continentes diferentes: Bélgica, Dinamarca, EUA, França e Taiwan. Clique nos links se quiser saber mais.
1) A Tristeza (2021)
De Rob Jabbaz. Filmes de zumbi sempre se prestam a metáforas sobre a época em que foram gestados. Vindo de Taiwan, este título reflete explicitamente a pandemia de coronavírus que matou pelo menos 7 milhões de pessoas. Mas A Tristeza vai além da referência e conquista a atemporalidade, adquirindo contornos de fábula. Uma fábula muito violenta e muito sangrenta, convém avisar. Na odisseia por sobrevivência do jovem casal Jim e Kat, há membros decapitados por tesouras de jardinagem, olhos perfurados com um cabo de guarda-chuva, torturas com arame farpado, mordidas que dilaceram a vítima, estupros coletivos, atos de necrofilia...
Os monstros não são exatamente mortos-vivos. São, nas palavras do diretor, "as piores versões de nós mesmos": indivíduos conscientemente movidos apenas pelo ódio, pelo prazer próprio, pelo sadismo latente que ajuda a explicar o sucesso de séries como a sul-coreana Round 6 e programas como o Big Brother Brasil, com seu vocabulário autoexplicativo (paredão, teste de resistência, jogo da discórdia). Estamos diante de uma distopia psicopolítica: o que seria de uma sociedade polarizada se a gente só atendesse aos impulsos do id? Que civilização seria possível se não houvesse as instâncias mediadoras e repressoras do ego e do superego? E em que velocidade todas as construções sociais podem ruir, fazendo desaguar um contagiante e interminável banho de sangue? (Reserva Imovision, que pode ser acessada via Amazon Prime Video)
2) Não Fale o Mal (2022)
De Christian Tafdrup. De férias na Itália, uma família dinamarquesa (Bjørn, sua esposa, Louise, e a menina Agnes) aproxima-se de um casal holandês com seu filho. Surge o convite para os primeiros passarem um fim de semana na casa de campo dos segundos.
A partir daí, Não Fale o Mal ilustra como se comprometer com a civilidade pode ser perigoso: em nome de convenções sociais, anulamos os instintos, a intuição, e permitimos a invasão de nossos limites. Satiriza o embaraço dos escandinavos, que, nas palavras de Tafdrup, "não gostam de falar sobre como estão se sentindo, tentam ser educados e se comportar bem, reprimindo o que realmente pensam". Reflete sobre a aptidão humana para se meter na criação dos filhos dos outros. Ironiza ideais da sociedade contemporânea, como o vegetarianismo e a tolerância. Encena diálogos dolorosos sobre as concessões que fazemos nos relacionamentos. Retrata como pode ser explosiva a combinação da masculinidade frágil com a masculinidade tóxica. Perturba o tempo todo, ora porque nos colocamos no lugar dos personagens, ora porque nos revoltamos com suas decisões erradas. E, diferentemente da versão hollywoodiana, tem um dos epílogos mais dilacerantes que eu já vi. É uma pedrada. (Reserva Imovision)
3) Suaves e Discretas (2022)
De Beth de Araújo. É o longa-metragem de estreia da diretora estadunidense que tem pai brasileiro. Retrata a primeira reunião de um grupo de mulheres neonazistas arregimentado pela professora Emily, que acusa haver um processo de "lavagem cerebral" para que a população branca dos EUA tenha "vergonha da herança e culpa pela prosperidade. Leslie, como diz em alemão a estampa de sua jaqueta, ama odiar. Marjorie se queixa por ter sido preterida por uma imigrante colombiana em uma promoção no trabalho. A solitária Alice sente-se "excluída" por causa de movimentos como o Black Lives Matter. À espera do quinto filho, Jessica conta que seu pai foi presidente interino da Ku Klux Klan. Kim lamenta que "o país esteja sendo tomado debaixo do nariz" e tem sempre um termo pejorativo para colar em judeus, negros e asiáticos.
Suaves e Discretas ilustra como, também debaixo do nosso nariz, na casa do vizinho ou na porta ao lado, ideais neonazistas germinam e se alastram, tendo entre os fertilizantes o ressentimento e a ignorância. E mostra como a teoria vira prática, como uma "brincadeira" pode descambar para algo muito sério. Basta uma fagulha para provocar um incêndio sufocante, e essa sensação é reforçada pela narrativa em tempo real que simula ser em um único plano-sequência, ou seja, sem cortes entre uma cena e outra. (Aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e YouTube)
4) Megalomaníaco (2023)
De Karim Ouelhaj. Os personagens principais são os supostos filhos de um assassino serial que assombrou a Bélgica nos anos 1990, o Carniceiro de Moons. O diretor e roteirista mostra como o mal pode ser transmitido, como o mal contamina, como a vítima pode se tornar agressor. E controla as explosões de violência (cenas de estupro, assassinato, humilhação, sequestro, cárcere privado, espancamento, marteladas na cabeça, golpes de faca...) para que elas tenham o maior impacto possível quando ocorrem.
Megalomaníaco também balanceia a crueza com o onírico e contrasta a brutalidade com planos que chegam a ser deslumbrantes na composição e na iluminação, ambas inspiradas na pintura barroca. (Looke, que pode ser acessado via Amazon Prime Video)
5) A Substância (2024)
De Coralie Fargeat. Vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes e indicado em cinco categorias do Globo de Ouro, tempera com audácia, raiva e senso de humor (ora absurdo, ora ácido, ora grotesco) um caldeirão de influências. Dos romances Frankenstein (1818) e O Retrato de Dorian Gray (1890) a filmes de Stanley Kubrick, David Cronenberg e David Lynch, passando por clássicos como Crepúsculo dos Deuses (1950), A Malvada (1950) e Um Corpo que Cai (1958).
Na trama estrelada pelas estadunidenses Demi Moore e Margaret Qualley, a cineasta francesa explora ao máximo os recursos do chamado body horror, o terror corporal, o que pode chocar e até nausear olhares sensíveis. A Substância mostra como os corpos das mulheres são objetificados, comoditizados e vendidos, até serem desvalorizados e descartados por uma sociedade e uma mídia controladas pelo olhar masculino. (MUBI)
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