Tom Cruise é um nome associado a muitos sucessos de bilheteria. A franquia Missão: Impossível, iniciada em 1996, já arrecadou US$ 4,13 bilhões. Guerra dos Mundos (2005) faturou US$ 603,8 milhões, O Último Samurai (2003), US$ 454,6 milhões, Minority Report (2002), US$ 358,3 milhões, e Rain Man (1988), US$ 354,8 milhões. Até filmes ruins com o ator dão dinheiro, como A Múmia (2017), que rendeu US$ 409,2 milhões. Mas nada se compara ao sucesso de Top Gun: Maverick (2022), cartaz desta segunda-feira (7) na Tela Quente da RBS TV, logo após a novela Mania de Você.
Foi o campeão de bilheteria nos cinemas em 2022, com US$ 1,48 bilhão. Quebrou recordes de venda nas plataformas digitais dos EUA e de audiência no Paramount+. E também concorreu em seis categorias do Oscar — melhor filme, roteiro adaptado, edição, som (a única estatueta conquistada), efeitos visuais e canção (Hold my Hand, por Lady Gaga).
Precursor da onda nostálgica que faz Hollywood apostar em continuações, prólogos e reinícios de filmes lançados décadas atrás, Top Gun: Maverick voa muito além do saudosismo. Ao retomar, 36 anos depois, o personagem que o firmou como astro, Tom Cruise protagonizou uma aventura aérea que não tem a cabeça só nas nuvens. Nesta produção orçada em US$ 170 milhões, a ação também convida a uma reflexão sobre a temas candentes, como a substituição do humano pela máquina, e sobre a própria indústria cinematográfica contemporânea.
Porém, o longa-metragem também estende um olhar para o passado. Um olhar e os ouvidos. Dirigido pelo estadunidense Joseph Kosinski, parceiro de Cruise na ficção científica Oblivion (2013), Top Gun: Maverick começa mimetizando a abertura de Top Gun: Ases Indomáveis (1986), realizado pelo britânico Tony Scott (1944-2012). Um letreiro apresenta a escola de elite para aviadores da Marinha dos Estados Unidos, criada em 1969 e apelidada de Top Gun. No crepúsculo, sob a direção de fotografia do chileno Claudio Miranda, vencedor do Oscar por A Vida de Pi (2012), vemos a movimentação em um porta-aviões. Em vez de caças A-6 e F-14, há jatos F-18 e F-35, mas a trilha sonora é a mesma: a icônica música composta pelo alemão Harold Faltermeyer se funde ao rock Danger Zone, de Kenny Loggins. Na sequência, o agora capitão Pete Mitchell, codinome Maverick, veste sua célebre jaqueta de couro, cheia de emblemas bordados, monta em sua moto Kawasaki e parte rumo a uma base militar.
Esse exercício de nostalgia é um cumprimento aos fãs de longa data e um alerta aos neófitos, que podem ficar alheios à graça de algumas piadas e inertes à carga emocional de certos momentos. Ou seja, o novo Top Gun requer um árduo tema de casa: assistir ao antigo Top Gun, disponível no Disney+ e na Netflix. O original vale muito menos por suas cenas de ação — que contribuíram para as indicações ao Oscar de melhor edição, som e efeitos sonoros, mas que são mornas e confusas aos olhos de hoje — do que por ser um testemunho da estética oitentista; vale muito menos pelo romance de Maverick com a personagem de Kelly McGillis do que pelo duelo entre o arrogante e impulsivo protagonista e o igualmente arrogante, mas frio Iceman vivido por Val Kilmer. McGillis ficou de fora da continuação — a atriz disse que não foi convidada pela produção por ser considerada "velha (está com 64 anos) e gorda" —, o que também significa a ausência da oscarizada canção Take my Breath Away, composição de Giorgio Moroder (música) e Tom Whitlock (letra) interpretada pela banda Berlin. Já a presença de Kilmer, desde 2014 lutando contra um câncer na garganta (o que limita gravemente sua fala), foi uma exigência de Tom Cruise.
Para quem preferir confiar na memória ou topar desbravar um território desconhecido, providenciais recapitulações estão presentes no roteiro assinado por Christopher McQuarrie (Oscar de roteiro original por Os Suspeitos), Eric Warren Singer (indicado na mesma categoria por Trapaça) e Ehren Kruger (de O Suspeito da Rua Arlington e da franquia Transformers) a partir de uma história escrita por Peter Craig (do Batman de 2022) e Justin Marks (do Mogli de 2016). O fundamental é saber que Maverick não se perdoa pela morte de seu copiloto, Nick "Goose" Bradshaw (interpretado por Anthony Edwards), ocorrida em um acidente durante um treinamento, em Top Gun: Ases Indomáveis.
Agora, no mesmo dia em que reencontra uma namoradinha do passado, Penny (Jennifer Connelly) — a "filha do almirante" citada no primeiro filme —, o protagonista também revê o filho de Goose. Encarnado por Miles Teller (o jovem baterista de Whiplash e o produtor de O Poderoso Chefão na minissérie The Offer), Bradley "Rooster" Bradshaw se tornou um piloto de elite, cuja rivalidade com Hangman (Glen Powell) evoca a de Maverick com Iceman — só que sem a voltagem homoerótica satirizada ou levada a sério por Quentin Tarantino em um monólogo de Vem Dormir Comigo (1994), de Rory Kelly.
Mais detalhes da trama não precisam ser revelados. Contudo, vale ressaltar que Top Gun: Maverick contrabalança o enaltecimento do típico individualismo estadunidense com o reconhecimento da importância da equipe, e equilibra o militarismo maniqueísta dos Estados Unidos (os "guardiões do mundo livre") com o que se pode chamar de cuidado geopolítico: embora a paisagem nevada ao redor de um alvo secreto possa sugerir lugares como a Sibéria, na Rússia, o Irã ou a Coreia do Norte, o filme não dá nome nem rosto aos inimigos. Dá até para dizer que, ciente de sua exaltação à masculinidade — afinal, aviões e motos são óbvios símbolos fálicos —, a nova aventura faz pequenas concessões, como escalar uma mulher (Phoenix, papel de Monica Barbaro) e um nerd (Bob, vivido por Lewis Pullman) para compor uma forte dupla de aviadores.
Mas o que distingue Top Gun: Maverick é não se sujeitar às regras mercadológicas. Logo no início, Ed Harris, na pele de um oficial superior que prega a troca dos pilotos por drones, sentencia ao protagonista:
— O fim é inevitável. Seu tipo está a caminho da extinção.
Maverick retruca com a habitual e sardônica autoconfiança:
— Talvez sim, senhor. Mas não hoje.
Sua resposta é transcendental. No nível da narrativa, serve como um comentário sobre a automação do trabalho, uma defesa das habilidades humanas — que incluem o afeto, a coragem e o improviso — diante da revolução tecnológica. Mas também funciona como um lema do próprio Tom Cruise, uma declaração de resistência.
Rodado em 2019, Top Gun: Maverick tinha estreia prevista para 24 de junho de 2020, mas daí veio a pandemia de covid-19. Cruise — que também atua como produtor — afirma que nunca cogitou lançar este ou qualquer outro título diretamente no streaming. Diz que seus filmes "são feitos para a tela grande" e reverencia a comunhão do público na sala de cinema, uma experiência irrepetível na sala de casa.
Top Gun: Maverick também é uma continuação — ou um reinício, quem sabe? — que não aposta no rejuvenescimento para atrair as novas plateias (segundo pesquisas, a faixa etária que mais vai ao cinema é a dos 15 aos 24 anos). Aliás, Cruise, hoje com 62 anos, sequer se preocupou em convocar astros jovens para gravitarem em torno dele.
Abençoado pela genética e rigoroso no seu condicionamento físico, ele, apesar da idade avançada, segue dispensando dublês nas cenas de ação, como aquelas feitas na pele do agente Ethan Hunt. O princípio vale para o restante do elenco também: Cruise ensinou todos a voar, em busca da maior autenticidade. Nenhum comanda de verdade os jatos — os atores trabalharam na companhia de pilotos —, mas as manobras vertiginosas e os combates acrobáticos são os mais reais possíveis. Colaboram para o clima de suspense e perigo a edição de Eddie Hamilton, acostumado a filmes do gênero, como Kick-Ass: Quebrando Tudo (2010), Kingsman: Serviço Secreto (2014) e os segmentos mais recentes de Missão: Impossível.
Portanto, em Top Gun: Maverick a prática é coerente com o discurso de valorização do fator humano, tornando o filme um bem-vindo contraste à vigência dos efeitos visuais, dos personagens digitais e dos cenários gerados por computação gráfica (com a vantagem de oferecer um risco emocional muito raro nas aventuras de super-herói). Ainda se pode fazer mágica à moda antiga.