Em tempos de Coringa: Delírio a Dois (2024), que segue em cartaz nos cinemas, o Domingo Maior, da RBS TV, destaca a encarnação definitiva do vilão. A partir da 0h05min desta segunda-feira (14), exibe Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008), de Christopher Nolan.
Diferentemente do que sugere o título, este é um filme do Coringa, muito antes do filme Coringa (2019). Quem começa dando as cartas é justamente o vilão, em interpretação tão magnética e tão ofuscante de Heath Ledger que permite comparar com o Marlon Brando de Uma Rua Chamada Pecado (1951) ou Apocalypse Now (1979). Por sua vez, a primeira aparição do Homem-Morcego chega a ser chocha, apesar de Christian Bale imprimir a voz grave e tenebrosa que o personagem dos quadrinhos pede.
Nolan dirigiu um pesadelo sombrio e vertiginoso. Mais acelerado — e mais coeso — do que Batman Begins (2005), O Cavaleiro das Trevas estabeleceu um novo paradigma para o gênero ao conjugar ação e reflexão. Entre combates corporais e perseguições automobilísticas, entre exibições de bat-utilidades e explosões de prédios, discutem-se temas perenes (o que é um herói e o que separa o Bem do Mal, por exemplo) e dilemas modernos (como os riscos de combater o crime com extremismo).
Com US$ 1 bilhão angariado nas bilheterias, merecia ter concorrido ao Oscar de melhor filme, mas teve de se contentar com o prêmio póstumo de ator coadjuvante para Ledger, morto em janeiro de 2008, antes mesmo da estreia da superprodução, com apenas 28 anos, vítima de overdose acidental de remédios, e a vitória em edição de som. Houve outras seis indicações: fotografia, edição, direção de arte, efeitos visuais, maquiagem e mixagem de som.
A trama tem início com um assalto a banco, orquestrado pelo Coringa, que vai deixar fulos da vida os mafiosos de Gotham City — filmada sobretudo em Chicago, dentro da leitura realista proposta pelo diretor britânico, avesso a truques digitais. Paralelamente, Batman, o ainda tenente Gordon (Gary Oldman) e o incorruptível promotor público Harvey Dent (Aaron Eckhart) se unem para limar da cidade os criminosos.
O enredo e o tom sóbrio, quase noir, bebem bastante de três dos melhores gibis do super-herói da DC: Batman: Ano Um, de Frank Miller e David Mazzhucchelli, O Longo Dia das Bruxas, de Jeph Loeb e Tim Sale, e A Piada Mortal, tour de force do Coringa com roteiro de Alan Moore e arte de Brian Bolland.
Nolan não chega a explorar a origem do vilão, como faz A Piada Mortal, mas, no filme, o personagem alude ao dos quadrinhos quando reinventa aqui e ali o seu passado — uma tática declarada pelo Coringa na HQ. É como se zombasse daqueles que buscam uma explicação lógica para a maldade.
Cinema e quadrinhos se encontram sobretudo na abordagem da dualidade de Batman (um herói com impulsos negativos) e na tese do Coringa de que basta um dia ruim para transformar o mais íntegro dos cidadãos em um lunático, basta o caos para nivelar bons e maus.
— Insanidade é como gravidade — afirma o Coringa de Heath Ledger. — Basta um empurrãozinho.
Não é por acaso que O Cavaleiro das Trevas acompanha o surgimento de outro vilão essencial: o Duas-Caras. Ele é o símbolo tanto do lado escuro de Batman quanto da proposição do Coringa (que, a certa altura, diz para o herói: "Você me completa!").
Não é por acaso que, na cena em que o Homem-Morcego suspende o psicopata de ponta-cabeça, Nolan movimente a câmera de modo a igualar a posição dos dois interlocutores. Um não é mais o inverso do outro, mas seu espelho.
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