Clint Eastwood, 94 anos, vai lançar seu último longa-metragem, Jurado nº 2, que entra em cartaz em 1º de novembro nos EUA, um pouco antes do 20º aniversário de uma das obras-primas do cineasta estadunidense: Menina de Ouro (Million Dollar Baby), que estreou em 5 de dezembro de 2004 e atualmente está disponível na plataforma Max. O título conquistou o Oscar nas categorias de melhor filme, direção, atriz (Hilary Swank) e ator coadjuvante (Morgan Freeman). Com US$ 231,9 milhões arrecadados, é sua segunda maior bilheteria — só perde para Gran Torino (2008), que fez US$ 274,5 milhões.
Trata-se de um soco no estômago, um filme capaz de levar a nocaute o espectador, que não pode baixar a guarda, para usarmos imagens do cenário onde a trama se desenvolve — o mundo do boxe. Indicado ao Oscar, o roteiro escrito por Paul Haggis adapta um conto do livro Rope Burns: Stories from the Corner (2000), publicado no Brasil com o nome Menina de Ouro. Seu autor, F.X. Toole, era o pseudônimo de Jerry Boyd (1930-2002), um ex-treinador e ex-cut man — o auxiliar que estanca sangramentos para o pugilista permanecer na luta. A crítica destacou o olhar privilegiado do narrador para descrever em detalhes bastidores de um esporte que une ao mesmo tempo brutalidade e beleza.
Além de dirigir, em Menina de Ouro Clint Eastwood também assina como ator, produtor e compositor da trilha sonora. A narrativa parece centrada em um argumento literalmente batido: depois de muita resistência, o veterano treinador de boxe Frankie Dunn (papel de Eastwood) acolhe em sua academia uma garçonete determinada a ser lutadora profissional, Maggie (Hilary Swank), em um relacionamento que ruma do conflito ao afeto paternal. Daí o apelido em gaélico, a língua antiga dos irlandeses, dada por Dunn a Maggie: Mo Cuishle, que pode ser entendido como "sangue do meu sangue".
Assim escreveu o jornalista Marcelo Perrone em Zero Hora quando o longa estreou em Porto Alegre: "Em mãos menos hábeis, tenderia ao melodrama raso. Mas Eastwood é bom de briga e constrói a cada round uma trama rica em nuanças, até desferir o potente cruzado que eleva o filme a outra dimensão dramática". É um golpe que, sem deslealdade emocional, liquida com a falsa impressão de que é apenas uma versão feminina e aprimorada de títulos como Rocky (1978).
O cineasta conduz sua história como uma fábula, contada por aquele que é o fiel da balança no embate entre mestre e pupila, Scrap, um ex-campeão fracassado, outro narrador marcante na carreira de Morgan Freeman, a exemplo do Red de Um Sonho de Liberdade (1994). Cada protagonista carrega um fardo existencial e trilha por zonas de luzes e sombras, como sublinha a fotografia, um chiaroscuro que reflete os temas da esperança, da finitude e do perdão.
Vala repetir novamente as palavras de Perrone: "Sangue irlandês católico, Frankie vai diariamente à igreja há 23 anos purgar-se pela falta de contato com a filha. Especialista em estancar ferimentos alheios, é vulnerável às próprias feridas. Aos 31 anos, Maggie ignora já ter passado do tempo para iniciar uma carreira no boxe, pois vê no esporte a improvável chance de ser a que deu certo numa família da mais baixa ralé social e moral. Treinado por Frankie no passado, Scrap perdeu um olho na última luta — outra pitada de culpa na alma do treinador — e funciona como saco de areia para amortecer o amargor do parceiro".
No Oscar de 2005, Clint Eastwood tornou-se o mais velho ganhador do prêmio de diretor — tinha 74 anos. Ele também levou a principal estatueta dourada, como um dos produtores. Essas duas conquistas se somaram às duas obtidas com o faroeste Os Imperdoáveis (1992), igualmente nas categorias de melhor filme e direção. Concorreu aos mesmos troféus por Sobre Meninos e Lobos (2003) e Cartas de Iwo Jima (2006), foi indicado como melhor ator por Os Imperdoáveis e disputou a premiação da Academia de Hollywood pela última vez como um dos produtores de Sniper Americano (2014).
Uma curiosidade sobre a vitória de Hilary Swank: pela segunda vez, ela derrotou Annette Bening, que competia por Adorável Julia. Em 2000, o desempenho de Swank em Meninos Não Choram já havia superado o de Bening em Beleza Americana.
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