Está chegando a hora de conhecer os vencedores do 51º Festival de Cinema de Gramado. Nesta sexta-feira (18), haverá a premiação dos curtas-metragens. No sábado (19), a partir das 21h, com transmissão ao vivo pelo Canal Brasil, pela TVE e pelo site do festival (neste link), serão entregues no Palácio dos Festivais os Kikitos das mostras competitivas de longas — os nacionais de ficção, os documentários e os gaúchos.
Entre as ficções, acho que só o famigerado suspense Uma Família Feliz, dirigido por José Eduardo Belmonte e estrelado por Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini, deve sair de mãos abanando. Também acho improvável alguma conquista do bastante problemático Angela, assinado por Hugo Prata e protagonizado por Isis Valverde.
Já Mais Pesado É o Céu, de Petrus Cariry, é um bom candidato para prêmios técnicos, como direção de fotografia (do próprio cineasta cearense) e trilha musical (de João Victor Barroso).
Os outros três títulos têm trunfos para almejar triunfos nas deliberações do júri formado por Cristiano Burlan (melhor diretor no ano passado por A Mãe), Elena Soarez (roteirista de Eu Tu Eles), Fabrício Boliveira (ator de Faroeste Caboclo), Letícia Colin (atriz de A Porta ao Lado) e Catarina Apolonio (que trabalha com pós-produção de som).
Tia Virgínia, de Fábio Meira, é uma ótima comédia dramática que dá raro protagonismo a idosos (os atores têm entre 68 e 87 anos) e que retrata uma situação comum a muitos lares brasileiros: a da irmã que não se casou, nunca teve filhos e agora se vê na condição de mãe da própria mãe. No papel da protagonista, Vera Holtz mais do que merece ganhar o Kikito de melhor atriz.
O Barulho da Noite, de Eva Pereira, tem uma combinação de descentralização (foi filmado no Tocantins) e denúncia (o tema é o estupro de crianças) e é o único concorrente dirigido por uma mulher — justamente no ano em que todas as homenagens do Festival de Gramado foram para nomes femininos (Léa Garcia e Laura Cardoso no Troféu Oscarito, Lucy Barreto no Eduardo Abelin, Alice Braga no Kikito de Cristal e Ingrid Guimarães no Cidade de Gramado). A menina Alícia Santana é uma aposta para o prêmio de atriz coadjuvante.
E Mussum: O Filmis, de Silvio Guindane, faz jus à condição do seu biografado, um dos maiores artistas populares do país: o longa-metragem consegue estabelecer uma grande conexão com o público. Provoca "risis e lágrimis", como diria o humorista. No elenco majoritariamente negro, destacam-se Ailton Graça, favoritíssimo ao Kikito de melhor ator, e também Cacau Protásio e Yuri Marçal, que podem aparecer entre os coadjuvantes.
Meus votos ficariam assim:
- Melhor filme: Tia Virgínia
- Melhor direção: Eva Pereira (O Barulho da Noite)
- Melhor ator: Ailton Graça (Mussum: O Filmis)
- Melhor atriz: Vera Holtz (Tia Virgínia)
- Melhor roteiro: Tia Virgínia
- Melhor fotografia: Mais Pesado É o Céu
- Melhor montagem: Tia Virgínia
- Melhor trilha musical: Mais Pesado É o Céu
- Melhor direção de arte: Tia Virgínia
- Melhor atriz coadjuvante: Alícia Santana (O Barulho da Noite)
- Melhor ator coadjuvante: Yuri Marçal (Mussum: O Filmis)
- Melhor desenho de som: O Barulho da Noite
Melhor documentário
A categoria de filmes documentais, que voltou ao Festival de Gramado no ano passado, foi promovida ao horário nobre do Palácio dos Festivais (em 2022, a exibição ocorreu apenas no Canal Brasil e no Globoplay, com exceção do título ganhador, Um Par para Chamar de Meu). Mas continua sendo um patinho feio: diferentemente de todas as outras mostras competitivas, só será agraciada com um único Kikito. "Documentário não é força da natureza, ele se faz. Precisa de diretor, montador e até roteirista", reclamou em 2005 o mestre Eduardo Coutinho. Nem mesmo a crítica concederá um prêmio ao melhor filme.
Se eu fosse o júri formado por Nomes, votaria em Memórias da Chuva, de Wolney de Oliveira, que reconstitui a incrível e triste história da destruição, para a construção de uma represa, do município interiorano de 10 mil habitantes localizado a 226 quilômetros de Fortaleza. Com imagens em vídeo registradas por antigos moradores e cenas de reportagens, conhecemos o cotidiano simples, mas feliz de Jaguaribara, que foi sacudida por uma decisão muito mais política do que científica, conforme os depoimentos colhidos pelo filme. Os outros quatro concorrentes são Luis Fernando Verissimo: O Filme, de Luzimar Stricher, Da Porta pra Fora, de Thiago Foresti, Roberto Farias: Memórias de um Cineasta, de ..Farias, e Anhangabaú, do gaúcho radicado em São Paulo Lufe Bollini..
Longas gaúchos
Dos cinco concorrentes, há apenas uma ficção, O Acidente, de Bruno Carboni, que estreia nos cinemas na próxima quinta-feira (24). Céu Aberto, de Elisa Pessoa, Sobreviventes do Pampa, de Rogério Rodrigues, e Um Certo Cinema Gaúcho de Porto Alegre, de Boca Migotto, são documentários. Hamlet, dirigido por Zeca Brito e protagonizado por Fredericco Restori, é um filme híbrido, a julgar por sua sinopse e por seu início, que cruzam discussões levantadas pelo clássico de Shakespeare com a ocupação das escolas públicas por estudantes em 2016, à época do impeachment da então presidente Dilma Rousseff — citada como "participação especial" nos créditos de abertura. Infelizmente, houve um problema técnico que obrigou interromper a projeção na tarde desta sexta-feira (18) e remarcar a sessão para as 10h deste sábado.
A exemplo das conversas entre filmes que existem na seleção nacional do Festival de Gramado, dá para estabelecer relações entre os quatro longas gaúchos vistos.
Céu Aberto e Sobreviventes do Pampa olham para o interior do Rio Grande do Sul — e Dom Pedrito é o cenário principal do primeiro título e um dos municípios visitados no segundo, que também vai a Santana do Livramento, Uruguaiana, Alegrete, Eldorado do Sul... São regiões que sofreram transformações sociais, econômicas e ambientais nos últimos tempos.
No documentário de Elisa Pessoa, que se permite cenas poéticas ou apenas observacionais, com poucas interferências da diretora, acompanhamos o cotidiano de Andriele Rodrigues Soares, desde os 12 anos, em 2016, até atingir a maioridade, em 2022. Nascida em uma família simples da zona rural, onde o pai lida com vacas, ovelhas e porcos, ela começa sonhando em cursar Zootecnia. Depois, vai se dedicar a tutoriais de maquiagem. Ou a alimentar a ideia de trabalhar com marketing digital. Quer ter a casa própria na cidade, mas noutra hora conta que está pensando em voltar a morar com os pais.
Andriele é um símbolo da inconstância da adolescência e da juventude, mas também tem lições a dar sobre como "tudo na vida muda muito rápido". E que às vezes os desejos se realizam, mas nem tudo sai como a gente quer.
O filme de Rogério Rodrigues, que é formalmente bem convencional, ouve fazendeiros, pequenos agricultores, fabricantes de azeite, apicultores, especialistas, indígenas e quilombolas. Esses personagens falam do afeto pelo lugar onde vivem, de agronegócio, de subsistência das famílias, da biodiversidade campestre, dos riscos atrelados à "visão da natureza como um objeto".
Um Certo Cinema Gaúcho de Porto Alegre faz parte do projeto de Doutorado de Boca Migotto. Ele entrevistou nomes essenciais de três gerações — como Carlos Gerbase, Jorge Furtado, Gustavo Spolidoro, Fabiano de Souza, Cristiane Oliveira e Davi Pretto —, além de críticos e pesquisadores. Esses personagens ajudam a traçar a evolução, os conflitos e as marcas da produção desde Deu pra Ti, Anos 70 (1981), gênese do cinema urbano no RS.
O documentário poderia ser mais acessível a quem não é da aldeia — os entrevistados são identificados apenas pelo nome (o público desavisado não saberá distinguir um ator de um jornalista), os trechos de filmes nem isso —, e a passagem sobre Glauber Rocha ficou deslocada na narrativa (o cineasta baiano não se encaixa na linha cronológica e só é referenciado em um único depoimento). Mas, além do seu inestimável valor como documento histórico, Um Certo Cinema Gaúcho de Porto Alegre é feliz em apontar virtudes locais — como a coletividade e a autoralidade — e também alguns cacoetes. O diretor de fotografia Bruno Polidoro cita, por exemplo, o repúdio à luz característica do Estado, com uma lateralidade, que é buscada por cineastas de fora, enquanto os daqui recorrem ao céu nublado. O que não é por acaso, já que muitas das histórias giram em torno de personagens fechados, calados, ensimesmados.
O Acidente repete alguns desses pontos. O sol quase não dá as caras na trama sobre uma tradutora e ciclista, a introspectiva Joana (Carol Martins), que, após um estranho acidente de trânsito, acaba se envolvendo com a família que a atropelou. O filme adota um tom tão melancólico (realçado pelo oboé da trilha sonora) e tão anestesiado (ou tão monótono, ou tão entediante) que, quando ocorre algo realmente triste, não muda nada, o ritmo segue o mesmo, nem os personagens nem os espectadores parecem sentir.
Meus votos ficariam assim (mas sem ver Hamlet):
- Melhor filme: Céu Aberto
- Melhor direção: Elisa Pessoa (Céu Aberto)
- Melhor ator: abstenção
- Melhor atriz: trocaria para melhor personagem feminina e daria para Andriele (Céu Aberto)
- Melhor roteiro: Céu Aberto
- Melhor fotografia: Hamlet (o que vi foi o suficiente para escolher)
- Melhor direção de arte: abstenção
- Melhor montagem: Céu Aberto
- Melhor desenho de som: Céu Aberto
- Melhor trilha musical: Céu Aberto