Em A Mãe, filme que estreia nesta quinta-feira (10) no CineBancários e no Espaço Bourbon Country, o diretor porto-alegrense radicado em São Paulo Cristiano Burlan complementa a Trilogia do Luto. No média-metragem Construção (2006), ele homenageou seu pai, pedreiro. Em Mataram meu Irmão (2013), ele relembrou o assassinato de seu irmão, em 2001, por policiais, fazendo um retrato da violência nos subúrbios da capital paulista. No documentário Elegia de um Crime (2018), reconstituiu outra tragédia familiar: sua mãe foi vítima de feminicídio, em 2011.
— Minha história não é uma exceção — comenta Burlan no material de divulgação. — A impunidade, o preconceito, a desigualdade, a mídia e os governos transformam essas vidas em números. Mas por trás das estatísticas existem irmãos, amigos, mães e filhos.
Depois dessas três obras baseadas na sua própria trajetória de vida, o cineasta conta uma ficção que tem muito de realidade — incluindo a participação especial de Débora Silva, fundadora do movimento Mães de Maio, surgido em 2006, quando seu filho, Edson Rogério, negro e pobre que trabalhava como gari na Baixada Santista, foi tido como suspeito pela Polícia Militar, liberado após averiguação de documentos e, na sequência, executado.
— Não é para uma mãe enterrar um filho — disse Débora ao participar da apresentação de A Mãe no 50º Festival de Gramado, em agosto, quando o filme recebeu três Kikitos: melhor direção, melhor atriz (Marcelia Cartaxo, repetindo a conquista de 2019, por Pacarrete) e melhor desenho de som (Ricardo Zollner). O título também foi o grande vencedor do 29º Festival de Vitória, no Espírito Santo, em setembro: melhor filme pelo júri oficial, pelo público e pela crítica, melhor direção, melhor interpretação (Cartaxo) e melhor fotografia (André S. Brandão).
Ganhadora do Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim por A Hora da Estrela (1985), a paraibana Marcelia Cartaxo, 59 anos, faz a protagonista, Maria. Mãe solo, ela vive no Jardim Romano com o filho adolescente, Valdo, um craque do rap ("Sou um soldado romano / Com a mão no mic e não no cano") encarnado por Dunstin Farias, nascido e criado na mesma comunidade. De repente, o rapaz some, e aí começa a odisseia de Maria, que vai buscar informações tanto com um bandido do bairro quanto com a polícia.
A sinopse pode dar a entender um filme agitado, pleno de momentos de tensão. Mas Burlan vai na contramão. As cenas são contemplativas, a câmera demora-se em na paisagem natural, no casario ou em objetos como uma panela no fogão.
O objetivo parece ser duplo. Por um lado, desmistificar a vida na periferia, um lugar onde moram pessoas como todas as outras — Maria é todas as mães. Por outro, ilustrar como a violência policial já virou cotidiana ("A ditadura não acabou. Só vai acabar com o fim da PM, que é muito presente nas favelas e nas periferias", afirma a personagem de Débora Silva).
Mas o ritmo adotado em A Mãe pode ser encarado como vagaroso em excesso, a ponto de seus 82 minutos de duração parecerem mais. E o desfecho vai além do necessário — talvez pudesse terminar naquela sequência filmada de dentro de uma viatura, que, com a luz intermitente revelando transeuntes nas ruas e calçadas, é potente em comunicar o medo provocado pela presença da Polícia Militar.