Paraíso (Paradise, 2023), filme alemão que vem sendo um dos mais vistos na Netflix, começa como se fosse um episódio brilhante e provocativo de Black Mirror. Mas depois descamba para um título de ação genérico e fraco.
Na sua primeira parte, o longa-metragem dirigido por Boris Kunz (um dos três autores do roteiro) remete claramente à série criada pelo inglês Charlie Brooker. A ficção científica espelha o mundo real, os avanços tecnológicos potencializam anseios, crises, dilemas e vícios da sociedade contemporânea.
A construção de mundo (worldbuilding, como se diz em inglês) é eficiente e instigante: em um futuro próximo, poderemos vender ou comprar anos de vida. Se houver compatibilidade de DNA, um jovem refugiado de 18 anos, por exemplo, envelhecerá 15 para que um idoso milionário rejuvenesça. Uma empresa de biotecnologia praticamente detém o monopólio da chamada transferência, a Aeon — palavra derivada do grego e utilizada para denominar o que é "para sempre".
Essa premissa reformula uma pergunta eterna — o quanto o dinheiro vale mesmo na nossa vida? Melhor viver mais, mesmo que sem luxos, ou morrer mais cedo, ainda que na riqueza? — e conversa com várias questões muito presentes. Temos a exploração dos mais pobres pelos mais ricos. Temos a obsessão pela juventude. Temos os riscos atrelados à ascensão das big techs.
ALERTA DE UM BREVE SPOILER NO PRÓXIMO PARÁGRAFO.
Os personagens principais são Max (papel de Kostja Ullmann), um empregado da Aeon encarregado de achar e negociar com novos doadores; sua esposa, Elena (Marlene Tanczik, coadjuvante em Nunca Deixe de Lembrar); e Sophie Theissen (Iris Berben, de Triângulo da Tristeza), a CEO da empresa. Quando o casal se vê às voltas com uma dívida impossível de pagar, Elena acaba condenada a transferir quase 40 anos de vida. Entrementes, um grupo batizado de Adão organiza ataques terroristas contra a Aeon.
E a partir daí, Paraíso vai gradativamente deixando de lado as reflexões para investir em cenas de ação que incluem tiroteios, fugas automobilísticas, explosões, sequestros e até areia movediça. Tudo é bastante medíocre e se faz acompanhar por viradas não só na trama, mas na personalidade dos personagens: quase de um minuto para o outro, Max e Elena mudam de posição sobre o que devem fazer.
Não doe duas horas de sua preciosa vida.