Briga no set de filmagem, gelo no Festival de Veneza, entrevista desastrada, polêmica desenterrada... São tão turbulentos os bastidores de Não se Preocupe, Querida (Don't Worry Darling, 2022), filme de suspense emrecém adicionado ao catálogo da HBO Max, que um executivo do estúdio produtor, o Warner, disse o seguinte sobre a diretora Olivia Wilde:
— Ela é uma gênia que descobriu uma maneira de fazer com que mais pessoas assistam ao longa ou ela não tem nenhuma noção de que está destruindo seu próprio filme.
Os números dão força à primeira hipótese. No fim de semana de estreia nos Estados Unidos, o título liderou o ranking das bilheterias, com US$ 19,2 milhões, contra os US$ 11,1 milhões arrecadados por A Mulher Rei em sua segunda semana de exibição (no total até agora, no entanto, Não se Preocupe, Querida somou US$ 85,1 milhões, contra US$ 91 milhões do épico estrelado por Viola Davis). Claro que ajuda ter no elenco uma celebridade como o cantor britânico Harry Styles — 47,3 milhões de seguidores no Instagram —, mas talvez Olivia Wilde já estivesse ciente de seu filme precisava de um empurrão extra.
Escrito por Katie Silberman a partir de uma história de Carey Van Dyke e Shane Van Dyke, Não se Preocupe, Querida é o segundo longa-metragem dirigido por Olivia Wilde, atriz nova-iorquina que ficou famosa como a doutora Thirteen do seriado médico House (2004-2012). O anterior, a comédia adolescente Fora de Série (2019), foi elogiado pela crítica laureado em festivais e em premiações como o Independent Spirit Awards. O novo, no qual transparece a ambição por indicações ao Oscar, recebeu mais atenção pelas intrigas de bastidores.
Resumidamente:
1) De acordo com o site Vulture, Wilde e sua protagonista, a atriz inglesa Florence Pugh (indicada ao Oscar de coadjuvante por Adoráveis Mulheres, premiada por Lady Macbeth, estrela de Midsommar e irmã da Viúva Negra no Universo Cinematográfico Marvel), brigaram aos gritos durante as filmagens. O clima teria ficado tenso porque Olivia e Harry Styles, que iniciaram um romance durante o trabalho, sumiam do estúdio sem dar nenhuma explicação.
2) No Festival de Veneza, no começo de setembro, Pugh, não participou da entrevista coletiva, alegando estar ocupada com as filmagens da segunda parte de Duna — segundo a revista Variety, porém, ela foi vista na cidade italiana menos de uma hora depois do encontro com a imprensa. Para piorar, durante os aplausos a Não se Preocupe, Querida, a atriz inglesa evitou contato visual com a diretora estadunidense, como registrado em um vídeo que viralizou no Twitter.
3) O bafafá em torno do filme remonta a 2020, quando Wilde dispensou o ator Shia LaBeouf. Segundo ela disse em entrevista publicada em agosto de 2022 à Variety, a demissão foi uma maneira de criar um ambiente "seguro e confiável para Florence Pugh". LaBeouf, que recentemente admitiu agressões e traições durante seu relacionamento com a cantora FKA Twigs, entre 2018 e 2019, negou as afirmações da cineasta e disse que ela pediu para que ele não desistisse do projeto.
4) Seu substituto, Harry Styles, que desde Dunkirk (2016) vem ensaiando uma carreira de ator, fez um comentário confuso e constrangedor — a ponto de deixar embaraçado seu colega de elenco, Chris Pine (em quem teria cuspido em Veneza, segundo boatos!) — em outro vídeo que viralizou:
— A minha coisa preferida sobre o filme é que ele parece um filme. Parece real, como ir ao cinema em que, sabe... a razão para ir ver algo na telona.
E que viu na telona o espectador de Não se Preocupe, Querida?
Viu Florence Pugh, atriz que é uma verdadeira força da natureza, lutando a cada cena para tornar interessante um filme bastante previsível, uma história que já foi contada várias vezes — e com mais contundência e mais personalidade. Não se Preocupe, Querida bate no liquidificador referências que vão de Alice no País das Maravilhas (1865) a The Stepford Wives, o romance escrito por Ira Levin em 1972 que deu origem aos longas Esposas em Conflito (1975) e Mulheres Perfeitas (2004), passando por Pleasantville: A Vida em Preto e Branco (1998), episódios da série Black Mirror (2011-) e as obras dos cineastas M. Night Shyamalan e Jordan Peele.
Estamos em uma comunidade aparentemente perfeita do final dos anos 1950, como indicam os cenários, os figurinos, os carros e as músicas ouvidas nas festas do casal Jack (Harry Styles) e Alice (Florence Pugh) — entre elas, está Desafinado (1959), de João Gilberto. Todos os maridos trabalham para uma empresa experimental chamada Victory, capitaneada pelo enigmático e sedutor Frank (Chris Pine). Todas as esposas (entre elas, Bunny, personagem de Olivia Wilde) ficam em casa, cuidando dos eventuais filhos, limpando os móveis e vidros e preparando o jantar — que, no caso de Jack e Alice, fica sempre em segundo plano diante do sexo.
Mas logo surgem fissuras: uma das mulheres entra em crise de saúde mental, a própria Alice começa a ter lapsos de consciência. A protagonista, então, resolve investigar o que se faz, de fato, no projeto Victory.
A despeito do bom trabalho de direção de arte, fotografia (assinada por Matthew Libatique, concorrente ao Oscar por Cisne Negro e Nasce uma Estrela) e edição, e a despeito da potente e perturbadora trilha sonora composta por John Powell, Não se Preocupe, Querida jamais envolve o espectador para além do ponto da curiosidade ("vamos ver no que vai dar essa história"). Seus temas — a discussão dos papéis de gênero, a nostalgia masculina e conservadora, o terror do patriarcado — já foram melhor abordados (inclusive em títulos de suspense ou horror). E boa parte dos seus 123 minutos arrastam-se para chegar a uma solução que desde cedo podia ser antevista, ainda que não detalhadamente. Aliás, o desfecho é um dos problemas do filme, porque apresenta apressadamente uma explicação, digamos, científica, que não é bem esclarecida.
Não se preocupe, Florence: seu talento sobreviveu incólume, e filmes melhores virão.