Dias atrás saiu o trailer de Thor: Amor e Trovão, novo filme de um dos meus super-heróis favoritos — tanto nos quadrinhos quanto no cinema —, com lançamento previsto para 7 de junho nos cinemas brasileiros. Fugi como se fosse de Hela, a deusa da morte segundo a mitologia nórdica, de onde veio a inspiração para o personagem da Marvel.
Também não vi nada do trailer da quarta temporada de uma das séries preferidas aqui em casa, Stranger Things, que estreia na Netflix no dia 27 de maio.
E garanto que não clicarei no trailer do próximo trabalho de um dos meus diretores prediletos, Martin Scorsese, o faroeste policial Killers of the Flower Moon, previsto para novembro.
Não são casos pontuais. Assumo o contrassenso de ser um crítico de filmes e séries que não acompanha um dos principais — se não o maior — meio de divulgação dessas obras.
A gota d'água foi o trailer de Tempo, no ano passado. A propaganda matou a alma do negócio. Como se espelhasse a situação vivida pelos personagens, fez o suspense algo existencialista de M. Night Shyamalan estrear já um tanto envelhecido. Porque revelou demais do que ocorre em uma praia deserta e paradisíaca onde um grupo de veranistas começa a sofrer os efeitos do tempo de um modo terrivelmente rápido.
O conhecimento prévio e a memória visual inibiram o espanto pretendido pelo cineasta craque em pregar peças no público — vide O Sexto Sentido (1999) e A Vila (2004), vide Corpo Fechado (2000) e Fragmentado (2016). Parece que o marketing sabotou o nítido esforço de intrigar o espectador — vide as posições de câmera e os enquadramentos que escondem as transformações corporais, vide o uso da trilha sonora em cenas que só devem ter surpreendido quem ficou imune à exposição maciça.
Não consigo entender esses trailers que dão spoilers — e sim, eu sei que nas minhas colunas certamente já contei demais de um filme, mas juro que procuro evitar, ou pelo menos alerto o leitor reiteradamente, aviso indisponível em um trailer. Daí que em um cinema, para não correr riscos, eu fecho os olhos, tapo os ouvidos, puxo conversa com a esposa ou com as filhas, tento me distrair enquanto na tela surgem imagens e diálogos que acabariam armazenados no meu cérebro para mais adiante tomarem de assalto a fruição da história. Várias vezes já me flagrei puto comigo mesmo por gravar detalhes e puto com os estúdios por, mesmo que fora de ordem cronológica, exibirem detalhes referentes ao clímax da trama.
Piores são os trailers que simplesmente resumem todo o filme, do início ao quase fim. Como o de Missão Resgate (2021), com Liam Neeson. Assistam e depois me digam se deu fome de efetivamente ver essa aventura ambientada em uma estrada de gelo ou se vocês já se deram por satisfeitos com aqueles dois minutos e meio (praticamente um curta-metragem).
Digo que não entendo, mas na verdade é um discurso retórico. Sei direitinho o que os estúdios de cinema fazem. Não tem bobo em Hollywood. Esses trailers extremamente expositivos existem porque a maioria do público quer certeza e segurança, e não mistério ou desafio. Os números comprovam. São sucesso nas bilheterias os super-heróis, que têm zero risco emocional (via de regra, eles vão vencer e sobreviver), as franquias, as continuações, os reinícios. as refilmagens e os derivados. Basicamente, as mesmas histórias, só que com outras roupas.
Esse comportamento não é exclusivo do ambiente cinematográfico. De certa forma, reflete características dos relacionamentos amorosos contemporâneos, conforme descreveu a quadrinista sueca Liv Strömquist em A Rosa Mais Vermelha Desabrocha: O Amor nos Tempos do Capitalismo Tardio ou Por que as Pessoas se Apaixonam Tão Raramente Hoje em Dia. Dosando leveza e profundidade, citando filósofos como o esloveno Slavoj Zizek e o sul-coreano Byung-Chul Han e astros como Beyoncé e Leonardo DiCaprio, Strömquist mostra como a sensação do fall in love (literalmente, cair no amor) vem sendo substituída por uma visão consumista. A racionalidade subjuga o romantismo. Escolhemos — no Tinder, por exemplo — uma pessoa como se fosse uma mercadoria: queremos que ela venha sem defeitos. Rejeitamos surpresas e incertezas.
Segundo Strömquist e os autores referenciados em A Rosa Mais Vermelha Desabrocha, o narcisismo extremo da sociedade capitalista e da era das redes sociais provocou o desaparecimento do outro. Não buscamos o outro propriamente dito, mas "espelhos que confirmam o sujeito narcisista em seu ego". Ou seja, evitamos o diferente e assistimos a mais do mesmo; nos aboletamos em uma zona de conforto em vez de nos permitirmos mergulhar no desconhecido para encontrar aquilo que o pensador francês Roland Barthes definiu como "inclassificável, de uma originalidade sempre imprevista" — lembrem o que todos dizem quando estão apaixonados: Ele é único! Não há ninguém como ela!
No âmbito do cinema, uma parcela considerável do público age como se estivesse comprando um sofá, e não apreciando uma obra de arte. Portanto, os trailers precisam mostrar tudo o que vem junto do ingresso: as cenas de ação, as melhores piadas, os efeitos visuais, os momentos de choro. Do contrário, o espectador pode se sentir lesado, enganado — ou traído, para voltarmos ao terreno amoroso.
Pelos mesmos motivos, pululam sites e canais no YouTube dedicados a explicar o final dos filmes. Se há oferta, é porque há demanda: gente que não aceita supostas imperfeições — que, no seu somatório, conferem originalidade e características únicas. Gente que não tolera a multiplicidade de interpretações — o que, no campo dos relacionamentos, equivale à força estranha e misteriosa do amor, capaz de nos tirar o chão.