"Remember, remember, the 5th of November" (Relembrem, relembrem, o 5 de novembro).
É provável que nesta sexta-feira (5) você já tenha visto nas redes sociais algum post com os dizeres acima. Trata-se de uma referência ao personagem principal de V de Vingança (2005), que está em cartaz nas plataformas HBO Max e Globoplay e também está disponível para alugar em Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube. Não foi exatamente um campeão de bilheteria (arrecadou US$ 124 milhões). Mas todo o mundo conhece a cara do filme — literalmente. E quando digo todo o mundo não é força de expressão: a máscara usada pelo protagonista é vista frequentemente em manifestações em Brasília e em Washington, em Roma e em Berlim, na Turquia e nas Filipinas (vide a galeria de fotos acima). Virou um símbolo de protesto, seja qual for a causa: as acusações ao analista de sistemas Edward Snowden, que revelou segredos do sistema estadunidense de vigilância global, o aumento no preço das passagens de ônibus, a violência policial contra negros, a cientologia, as medidas econômicas austeras, os governos corruptos e os regimes ditatoriais.
Com o título original de V for Vendetta, trata-se da adaptação da homônima história em quadrinhos britânica, escrita por Alan Moore, desenhada por Dave Gibbons e publicada originalmente na década de 1980. O roteiro e a produção são assinados pelas irmãs estadunidenses Lilly e Lana Wachowski, que naqueles tempos ainda não haviam se assumido como mulheres transgêneras — chamavam-se Andy e Larry, como em seu maior sucesso, Matrix (1999). A direção coube ao australiano James McTeigue, estreante na cadeira após ter sido assistente em toda a trilogia Matrix e que, de lá pra cá, só teve como trabalhos mais relevantes cinco episódios do seriado Sense8 (2015-2017) e seis da série Messiah (2020).
À época de sua estreia nos cinemas, V de Vingança dividiu opiniões. Houve quem a considerasse a mais subversiva produção hollywoodiana, houve quem a classifica-se como uma bobagem com B maiúsculo. Mereceu elogios por levar uma discussão ideológica ao público da pipoca. Mas também viu-se acusado de irresponsável por, à luz do 11 de Setembro e dos ataques em Madri e em Londres, elevar à condição de herói um terrorista mascarado que pretende explodir prédios.
Fato é que, até surgir a minissérie da HBO Watchmen, sua recepção junto à crítica era a mais positiva entre as adaptações das obras de Alan Moore, um dos maiores autores de quadrinhos. No Rotten Tomatoes, V de Vingança tem 73% de avaliação, contra 65% do Watchmen (2009) de Zack Snyder, 57% do filme Do Inferno (2001), sobre Jack, o Estripador, e 17% de A Liga Extraordinária (2003). Ganhadora de 11 prêmios no Emmy, Watchmen atingiu o índice de 96%.
O filme traz a trama básica da HQ, bastante inspirada no clássico 1984, do escritor George Orwell, e de certa forma evocada em Matrix (no qual também um homem luta contra o Sistema): em uma Inglaterra futurista e controlada por um regime fascista, uma garota, Evey (interpretada por Natalie Portman), torna-se, relutantemente, aliada de V (Hugo Weaving). Este sujeito quer derrubar o governo e usa uma máscara de Guy Fawkes, que foi um soldado inglês participante da Conspiração da Pólvora, em 1605. A tentativa de explodir o Parlamento Britânico, no dia 5 de novembro, tinha por objetivo assassinar tanto o rei protestante James I quanto todos os membros da chamada Casa dos Lordes, responsáveis pela repressão aos direitos políticos dos católicos.
Em comparação com os quadrinhos, as ideias de Moore sobre totalitarismo, anarquia e perseguição aos "diferentes" ficaram um pouco diluídas, e, se não há abuso em efeitos especiais, as cenas de V com as adagas imprimem um ar de super-herói que não existe no personagem original. Já Evey deixou de ser uma jovem ingênua e com um pé na prostituição para virar uma latente Joana D'Arc — e sua relação com V ganhou um toque romanceado de O Fantasma da Ópera.
Mas V de Vingança atinge contundência aludindo ao clima político e social do século 21 nas grandes potências do Ocidente. Leva realidade disfarçada de ficção a quem talvez estivesse só à procura de fantasia. "O medo tornou-se ferramenta fundamental deste governo", diz, por exemplo, um personagem, em referência que vale para vários governantes — na época, servia para a administração de George W. Bush, com sua Guerra ao Terror, nos Estados Unidos. A tática da polícia secreta de cobrir a cabeça dos prisioneiros com capuzes pretos remetia ao escândalo dos iraquianos presos em Abu Ghraib.
A escalação do elenco, por sua vez, parece um aceno à máxima de que a história pode se repetir como farsa — ou de que os papéis podem se inverter conforme sopram os ventos políticos. De um lado, temos, como o libertário V, Hugo Weaving, que representava o Sistema em Matrix (o agente Smith); do outro, John Hurt, que fez uma vítima do Estado totalitário na versão cinematográfica de 1984, encarna agora um ditador.