O cinema de ficção decretou uma espécie de quarentena após o 11 de Setembro. Em 2001, os atentados às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington, provocaram uma estranha sensação: a de que todo aquele terror já havia sido visto à exaustão em um contexto mais seguro, o dos filmes-catástrofe que Hollywood se especializara em produzir. Assim, os primeiros títulos a abordarem a ação da organização islâmica Al-Qaeda e suas consequências – tanto as imediatas e locais quanto as mais duradouras e geopolíticas – foram documentários, com uma ou outra exceção. Com o passar do tempo, surgiram dramas, thrillers e até obras eivadas de esperança. Nos 19 anos do episódio que mudou o curso da História, nesta sexta-feira (11), aqui estão 11 filmes sobre o 11 de Setembro.
9/11 (2002)
Batizado da forma como os americanos usam as datas (o mês vem antes do dia), o documentário dos irmãos franceses Jules e Gedeon Naudet é um registro do inferno em que se transformou Manhattan após o choque dos dois aviões contra as torres do World Trade Center. Naquele dia, os Naudet acompanhavam a rotina de um novato em um quartel dos bombeiros a apenas sete quadras das Torres Gêmeas. Jules foi quem filmou o choque do primeiro avião contra um dos prédios. É a única imagem conhecida desse ataque. Depois, os dois ingressaram com os bombeiros nos edifícios em chamas e acompanharam o desesperado trabalho de resgate às vítimas, o que resultou em imagens raras, mas sem mostrar cadáveres nos escombros ou as pessoas que se atiravam do WTC – a dupla francesa evitou gravar essas cenas em 9/11, que tem apresentação do ator Robert de Niro.
A Última Noite (2002)
Adaptação do nova-iorquino Spike Lee para um romance de David Benioff anterior ao 11 de Setembro, é o primeiro filme a mostrar o Ground Zero. Na abertura, aparecem os holofotes que simulavam o WTC, com um lamento islâmico na trilha sonora. A Última Noite foca as derradeiras 24 horas de liberdade de um traficante de drogas (Edward Norton) condenado a sete anos de prisão. Ele personifica a perda da ilusão da invulnerabilidade, o medo pelo futuro de Nova York e o desejo de ficar perto de quem ama: seu pai (Brian Cox), sua namorada (Rosario Dawson) e seus amigos (Barry Pepper e Phillip Seymour Hoffman). Disponível no Google Play e no YouTube Play.
11 de Setembro (2002)
Antologia de curtas-metragens na qual 11 cineastas de 11 países apresentam sua visão dos atentados em 11 minutos, 9 segundos e um fotograma (referência à data 11/09/01). Entre os diretores de 11 de Setembro (lançado em DVD no Brasil), estão a iraniana Samira Makhmalbaf, a indiana Mira Nair, o israelense Amos Gitai e o egípcio Youssef Chahine. Há filmes que se passam no trágico dia – o de Claude Lelouch narra uma comovente e original história de amor entre uma surda e um guia de turismo em Nova York. Shohei Imamura foi abstrato: ambientou seu filme na Segunda Guerra, para ligar o fanatismo dos militares japoneses (os inventores dos camicases) ao extremismo islâmico – "Não existe guerra santa", estampa no contundente epílogo. Na mesma linha, o inglês Ken Loach não poupa os EUA. De Londres, um chileno escreve uma carta às "queridas mães, pais e entes queridos daqueles que morreram em Nova York" e relembra (com filmes de época) que seus entes queridos também foram assassinados numa terça, 11 de setembro: em 1973, no golpe militar patrocinado pela CIA que derrubou o presidente socialista Salvador Allende.
O mexicano Alejandro González-Iñárritu fez um filme perturbador. Com a tela preta, intercala uma oração muçulmana, noticiários de rádio, testemunhos, sirenes, exclamações de espanto e recados em secretárias eletrônicas deixados pelas vítimas. Em imagens-relâmpago, aparecem pessoas se atirando do World Trade Center.
O filme do americano Sean Penn é o mais pungente. Ernest Borgnine encarna um viúvo nova-iorquino em um apartamento sob a sombra das torres gêmeas, que impede o desabrochar das flores da mulher amada, com quem ainda conversa através dos vestidos que deita sobre a cama. Choramos juntos no fim.
Fahrenheit 11 de Setembro (2004)
Michael Moore lançou a pedra fundamental deste documentário no dia em que recebeu o Oscar da categoria por Tiros em Columbine, em março de 2003. No discurso de agradecimento, atacou o presidente George W. Bush, que três dias antes havia determinado a invasão do Iraque: "Nós, documentaristas, não gostamos de ficção. Somos contra eleições fictícias que levam à presidência um homem que faz guerra com razões fictícias".
Em Fahrenheit 11 de Setembro, que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o diretor traça as relações perigosas entre os negócios da família Bush e milionários sauditas como Bin Laden. Há revelações embasbacantes, provocações capciosas e manipulações – tanto da imagem quanto da emoção, ora com altíssimo espírito cômico, ora com sentimentalismo rasteiro.
O filme, que foi lançado em DVD no Brasil, tem o nome tirado de um clássico da literatura de ficção científica, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury – num futuro totalitário, os livros são proibidos e queimados. Moore acredita que o governo americano, com a conivência da imprensa, também estava "incendiando" o conhecimento, omitindo ou alterando informações. Por exemplo: em 6 de agosto de 2001, Bush recebeu um relatório da CIA que alertava sobre um iminente ataque terrorista por Osama bin Laden. Ninguém deu pelota, e 36 dias depois o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington, foram atingidos.
People – Histórias de Nova York (2005)
O filme coral do diretor Danny Leiner (outrora acostumado a comédias juvenis como Cara, Cadê meu Carro?) se passa em 2002, às vésperas do primeiro ano desde o ataque terrorista. Drama com traços de comédia amarga, People observa o cotidiano de um punhado de nova-iorquinos. Um belo casal de 30 e tantos anos (Judy Greer e Tom McCarthy) lida com o problemático filho, obeso e antissocial; uma ambiciosa e competitiva confeiteira (Maggie Gyllenhaal) aposta tudo em uma concorrência contra a "rainha dos bolos" (Edie Falco); uma velha senhora (Olympia Dukakis) cola recortes de paisagens turísticas em cadernos como escape da rotina ao lado do marido indiferente; dois imigrantes indianos (Naseeruddin Shah e Sharat Saxena), vizinhos e colegas apesar das personalidades antagônicas, trabalham como seguranças de políticos estrangeiros; um psicólogo excêntrico (Tony Shalhoub) atende um pacato contador (Jim Gaffigan) que sobreviveu ao ataque às Torres Gêmeas.
Voo United 93 (2006)
No dia em que a Terra parou, eles não ficaram inertes. Enquanto todos assistiam em choque à destruição do World Trade Center, enquanto as autoridades americanas oscilavam entre a indecisão e a confusão, os passageiros do voo 93 da United Airlines viraram, como bem definiu o diretor inglês Paul Greengrass, "os primeiros habitantes do mundo pós-11 de Setembro". Confrontadas com seu terrível destino (o alvo, especula-se, era o Congresso dos EUA), 40 pessoas comuns enfrentaram os sequestradores da Al-Qaeda no céu da Pensilvânia. Como fizera em Domingo Sangrento (2002), sobre o massacre de manifestantes católicos por soldados ingleses na Irlanda do Norte, em 1972, o cineasta adotou o gênero do docudrama em Voo United 93 – que disputou os Oscar de direção e edição. A câmera digital está sempre na mão, e os atores eram desconhecidos. A reconstituição é realista – incluindo pilotos e comissárias de bordo no papel de tripulantes, e controladores de tráfego aéreo e militares repetindo em cena seu trabalho no 11 de Setembro – e bastante impactante. Em cartaz no Google Play e no YouTube Play e disponível em DVD.
As Torres Gêmeas (2006)
O drama de Oliver Stone se baseia em uma história verídica, a dos policiais portuários John McLoughlin e Will Jimeno (interpretados por Nicolas Cage, em desempenho correto, e Michael Peña, com improváveis traços cômicos), que ficaram soterrados sob as carcaças do WTC. Suas esposas são vividas por Maria Bello e Maggie Gyllenhaal. Diretor com gosto por teorias conspiratórias (vide JFK) e crítico habitual da política externa americana (como em Platoon e Nascido a 4 de Julho), Stone evita o debate e a investigação em As Torres Gêmeas. Prefere a carga emotiva. Mas exagera no tom patriótico e dá contornos de Guerra Santa ao fazer um fuzileiro naval (Michael Shannon) surgir como Jesus Cristo no delírio de Jimeno, por exemplo. Disponível no Google Play e no YouTube Play.
Loose Change (2007)
Sem sair de casa, Dylan Avery, um norte-americano de, então, 22 anos, realizou este documentário fazendo uma colagem de imagens das emissoras de TV defendendo que o próprio governo americano era o autor dos atentados. Inédito nos cinemas, Loose Change se tornou sucesso na internet. Pode ser visto no site oficial: loosechange911.com.
Reine Sobre Mim (2007)
No filme dirigido por Mike Binder (de A Outra Face da Raiva), Adam Sandler interpreta Charlie Fineman, homem que vive deprimido e solitário após perder a família no ataque a Nova York. Um dia, ele reencontra um antigo colega de faculdade (Don Cheadle), por sua vez sobrecarregado pelas responsabilidades domésticas e profissionais. Para os dois, a retomada da amizade e a lembrança dos bons momentos do passado será um estímulo para dar um novo sentido a suas vidas. Reine Sobre Mim está em cartaz no Google Play e no YouTube Play.
Tão Forte e Tão Perto (2011)
Versão do romance Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, do escritor americano Jonathan Safran Foer, o filme do diretor inglês Stephen Daldry (de Billy Elliot e O Leitor) conta a história de um garoto que busca encontrar uma mensagem em uma chave encontrada nos pertences do pai – papel de Tom Hanks –, morto na tragédia do WTC. Tão Forte e Tão Perto concorreu aos Oscar de melhor filme e ator coadjuvante (Max von Sydow) e também traz no elenco Sandra Bullock (a mãe viúva), Viola Davis e Jeffrey Wright. Em cartaz no Looke e no VivoPlay.
A Hora Mais Escura (2012)
Primeira – e única – mulher a ganhar o Oscar de direção (por Guerra ao Terror, de 2010), Kathryn Bigelow permaneceu em território conflagrado para resumir, em duas horas e meia, os 10 anos da caçada que culminou na execução do terrorista Osama bin Laden por uma tropa de elite da marinha americana, em maio de 2011. Repetindo a parceria com o roteirista Mark Boal, a cineasta reflete em A Hora Mais Escura (que concorreu ao Oscar de melhor filme) dois momentos distintos da política americana. Grosso modo, espelha a força bruta da era George W. Bush na estratégica gestão Barack Obama. No começo, na Arábia Saudita, o agente Dan (Jason Clarke) tortura um prisioneiro que, acredita, tem pistas sobre o paradeiro do líder da Al-Qaeda. Mais adiante, entra em campo a analista da CIA Maya (Jessica Chastain, indicada à estatueta de melhor atriz), que aposta na tecnologia, no cruzamento de dados e na intuição. Disponível no Globoplay.