Assisti a 25 filmes dos 38 que, nesta segunda-feira (13), foram anunciados como concorrentes da 92ª edição do Oscar. Parece pouco para dar palpites sobre a premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood? Não se a gente traduzir para o número de indicações que esses longas-metragens (estou desconsiderando os curtas de animação e de documentário) receberam: 89 do total de 109, ou 82%.
Coringa, por exemplo, foi o campeão de indicações: 11, incluindo melhor filme, diretor (Todd Phillips) e ator (Joaquin Phoenix). Na sequência, vieram 1917 (que estreia no dia 23, mas que vi em uma sessão para a imprensa), Era uma Vez em Hollywood e O Irlandês, todos concorrendo a 10 categorias cada. Dos nove que disputarão a principal estatueta em 9 de fevereiro, no Teatro Dolby, em Los Angeles (EUA), só não vi a comédia dramática Jojo Rabbit, prevista para estrear no Brasil na quinta-feira (6) anterior à cerimônia.
Portanto, me sinto apto a brincar de votante do Oscar. Confira:
Melhor filme
Coração dividido. Eu adoraria ver um filme da Coreia do Sul (e falado em coreano!) ser premiado pela Academia de Hollywood, ainda mais um que, de forma tão surpreendente, trata de um tema tão universal: a desigualdade social, o fosso que separa ricos e pobres. Mas, a despeito de todos os méritos de Parasita, 1917 chegou pulando à frente. Ainda inédito no Brasil e vencedor do Globo de Ouro, o drama ambientado na Primeira Guerra Mundial consegue emocionar tanto pela história que conta (a dos homens comuns tragados pelo horror e pela estupidez) quanto pela forma com que conta – o virtuosismo técnico desse filme que simula um único e longo plano sequência (sem cortes) é de encher os olhos.
Melhor diretor
Pelas razões acima, o inglês Sam Mendes merece, 20 anos depois, repetir a dobradinha conquistada com Beleza Americana. Aliás, esse feito deixou de ser frequente: nas últimas sete edições do Oscar, só aconteceu duas vezes, com A Forma da Água, em 2018, e Birdman, em 2015. Em 1917, é impressionante o seu domínio do que, na tela, parece ser um set de filmagem gigantesco. Como um maestro, ele conduz dezenas de integrantes de sua orquestra, nos mais diversos andamentos (grave, presto, adágio, até allegro...), dosando equilíbrio e ousadia e sabendo a hora de deixar seus solistas brilharem.
Melhor ator
É provável que Joaquin Phoenix ganhe por Coringa, mas acho que Adam Driver deveria vencer. Seu trabalho em História de um Casamento é mais difícil do que o do favorito na categoria. Na pele de Arthur Fleck, o doente mental que se transforma – ou é transformado – em um maníaco assassino, Phoenix tinha mais espaço para criar. O que ele fez muito bem, trabalhando inclusive seu corpo para refletir a mente distorcida do protagonista. Driver, como o dramaturgo Charlie Barber, um marido e pai em um complicado processo de separação, precisava de contenção, para não cair na caricatura ou na vilania, mas, ao mesmo tempo, tinha de ser capaz de transmitir uma gama de sentimentos antagônicos – ternura e raiva, humor e dor –, não raro na mesma cena.
Melhor atriz
Esta é a categoria em que me sinto menos à vontade para opinar, porque três das cinco candidatas ainda não puderam ser vistas nos cinemas do Brasil: Charlize Theron (O Escândalo, que estreia nesta quinta-feira), Renée Zellweger (Judy, cinebiografia que entra em cartaz no dia 30) e Cynthia Erivo (Harriet, a história de uma escrava americana que se tornou abolicionista, previsto para 6 de fevereiro). Entre as três atuações que vi, Saoirse Ronan (a Jo March de Adoráveis Mulheres) ganha no detalhe de Scarlett Johansson, que tem uma comovente entrega em História de um Casamento (a terceira foi a de Charlize Theron em O Escândalo). Em sua quarta indicação, a terceira como melhor atriz, Saoirse enche a tela de energia, sem descuidar dos momentos em que sua interpretação deve ser mais nuançada.
Melhor roteiro
Na categoria dos scripts originais, feitos diretamente para o cinema, torço para qualquer um menos Era uma Vez em Hollywood. Todos os outros concorrentes são mais inventivos do que Quentin Tarantino, que, na sua fábula autorreferente, repetiu a ideia de reescrever a história por meio da ficção, como já fizera, por exemplo, em Bastardos Inglórios. Além disso, tenho restrição à comicidade que o cineasta busca na explosão de brutalidade do final. Entre os quatro roteiros remanescentes, votaria em Parasita, por causa da sua fluidez de gêneros e de seu plot twist que transforma o filme em algo totalmente diferente do que imaginávamos.
Nos roteiros adaptados, aqueles que se baseiam em um material anterior (um livro, uma reportagem, um musical da Broadway, outro filme etc.), elejo Adoráveis Mulheres. Greta Gerwig (que bem poderia estar indicada a melhor diretora também) foi criativa e efetiva ao mudar a já bastante conhecida estrutura cronológica do romance de Louisa May Walcott, adotando dois tempos narrativos – os flashbacks permitem comparar ou opor situações e emoções. Além disso, a cineasta deu toques da própria Louisa à personagem de Jo March, o que possibilitou um epílogo que celebra tanto a autora quanto a literatura em si.
Ator coadjuvante
Sou time Joe Pesci desde criancinha. Mesmo ou justamente porque os concorrentes são de peso (Brad Pitt vem sendo agraciado pela crítica, Al Pacino, Anthony Hopkins e Tom Hanks são monstros consagrados). Em O Irlandês, no papel de Russell Buffalino, o ator de 76 anos reinventa o mafioso frenético e irascível que encarnou em títulos anteriores do diretor Martin Scorsese. Agora, dá lugar a um manda-chuva ainda mais perigoso, porque frio, contido, dissimulado e que nunca fala com o coração. Na verdade, nunca diz, com palavras, o que realmente está dizendo.
Atriz coadjuvante
Aqui eu me atreveria a apostar em dinheiro. Laura Dern rouba a cena desde o primeiro momento em que aparece como a advogada implacável de História de um Casamento. Já virou peça de antologia cinematográfica o monólogo que profere quando aconselha a personagem de Scarlett Johansson a não ser tão sincera, no tribunal, quanto a seus defeitos:
— Vou te interromper aqui. As pessoas não toleram mães que bebem e dizem ao filho: "Idiota". Eu entendo, também faço isso. Nós podemos aceitar um pai imperfeito. O conceito de um bom pai só foi inventado há uns 30 anos. Antes era normal que os pais fossem calados, ausentes, pouco confiáveis e egoístas. É claro que queremos que eles não sejam assim, mas no fundo nós os aceitamos. Gostamos deles por suas imperfeições, mas as pessoas não toleram essas mesmas coisas nas mães. É inaceitável em nível estrutural e espiritual. Porque a base de nossa conversa judaico-cristã é Maria, a mãe de Jesus, que é perfeita. Ela é uma virgem que dá à luz, apoia incondicionalmente o filho e segura seu cadáver quando ele morre. O pai não aparece. Nem apareceu para a trepada. Deus está no céu. Deus é o pai e Deus não apareceu. Você tem que ser perfeita, mas Charlie pode ser um puto desastre. Você sempre será julgada em um nível mais alto. É foda, mas é assim que é.
Fotografia e edição
O veterano diretor de fotografia Roger Deakins, 70 anos, 15 indicações e uma estatueta (por Blade Runner 2049), que assina 1917, é o meu favorito. Não só pela tarefa hercúlea, mas também, por exemplo, pela poesia assombrosa que produz nas cenas noturnas em uma cidade devastada. Seus principais rivais devem ser jovens que nunca haviam sido indicado: Lawrence Sher, 39 anos, por emular em Coringa a Nova York dos filmes de Martin Scorsese da virada dos anos 1970 para 1980, e Jarin Blaschke, pelo preto e branco claustrofóbico e atordoante de O Farol.
Na categoria de editores, ou seja, os profissionais que cortam e montam o filme, estabelecendo o ritmo e a fluência, o páreo é equilibrado. Yang Jinmo, de Parasita, e Michael McCusker e Andrew Buckland, de Ford vs Ferrari, mandam bem, mas eu gostaria que a Academia tivesse indicado o trabalho invisível de Lee Smith em 1917. Ganhador do Oscar por Dunkirk (2017), ele conseguiu a façanha de esconder os muitos cortes no filme de Sam Mendes.
Design de produção, figurinos, maquiagem
Para tornar mais substanciosa a vitória de 1917, voto no filme de Sam Mendes para design de produção (também conhecido como direção de arte) – é fascinante a recriação das trincheiras e das cidades destruídas na Primeira Guerra Mundial. Uma pena que tenha ficado de fora da categoria de figurinos (merecia a indicação por causa do detalhismo, como o uniforme militar que, depois de molhado em um rio, vai secando aos poucos) – assim, minha torcida vai para Adoráveis Mulheres, cujo vestuário traduz o estado de espírito das personagens. Em maquiagem e penteados, acho que a caracterização de Joaquin Phoenix como Arthur Fleck e Coringa pode ganhar o Oscar.
Efeitos visuais, edição de som e mixagem de som
Quem sou eu para dar pitaco em categorias tão técnicas? Minhas escolhas são, digamos, impressionistas: os filmes em que esses aspectos saltaram aos olhos ou aos ouvidos. Voto em 1917 para os dois prêmios de som e para O Rei Leão em efeitos visuais.
Melhor música e canção original
Outra briga boa é a de melhor música: não tenho uma preferida entre as trilhas de Coringa (a islandesa Hildur Guonadóttir), Adoráveis Mulheres (o francês Alexandre Desplat) e 1917 (o americano Thomas Newman). Mas talvez votasse neste último em nome da bancada Sam Mendes. Nas canções, voto com a procuração das minhas filhas, Helena e Aurora, que não se cansam de se esgoelar para tentar imitar os agudos de Into the Unknown (Frozen II).
Melhor longa-metragem de animação
Disparado, Toy Story 4. Foi comovente a despedida dos queridos personagens que acompanhamos há quase 25 anos. A animação dirigida por Josh Cooley olha para onde os ventos sopram na sociedade, dando protagonismo a personagens femininas, e aborda temas tão dolorosos como abandono, sentimento de exclusão e depressão, sem deixar de lado a comicidade, o encantamento e as mensagens edificantes (os desafios e desencontros requerem união, empatia e gestos nobres – "Os seus problemas são meus também", sempre disse a clássica canção Amigo, Estou Aqui).
Melhor filme internacional
O altíssimo nível da concorrência – a lista acabou deixando de fora a contundência seca de Uma Mulher Alta (Rússia) e o frescor fantasmagórico de Atlantique (Senegal), mas entraram a reflexão madura de Pedro Almodóvar em Dor e Glória (Espanha) e o documentário sensação Honeyland (Macedônia do Norte), além de duas cinematografias de peso histórico (a França, com Os Miseráveis, e a Polônia, com Corpus Christi) – só engrandece o previsível triunfo de Parasita, que disputa um total de seis estatuetas. Se o filme do sul-coreano Bong Joon-ho perder, será uma senhora zebra.
Melhor documentário (longa)
Eleito pelo jornal The New York Times como um dos 10 melhores filmes de 2019, Democracia em Vertigem terá uma disputa complicada. Há dois documentários (The Cave e For Sama) sobre um assunto que domina os noticiários internacionais, o desastre humanitário provocado pela guerra civil na Síria. Em cartaz na Netflix, Indústria Americana aborda consequências da crise econômica iniciada em 2008 nos Estados Unidos, ao tratar das diferenças culturais entre trabalhadores (de baixo e alto escalão) americanos e chineses em uma fábrica do Ohio reativada por empresários do país asiático; e há Honeyland, obra da Macedônia do Norte sobre apicultura que vem sendo aclamada em festivais. Para que uma produção brasileira conquiste pela primeira vez o Oscar, torcerei pela mineira Petra Costa. Em que pese o tom melodramático de sua narração e da trilha sonora, Democracia em Vertigem é hábil em reconstituir, de forma assumidamente não neutra e mesclando à narrativa a vida pessoal da diretora e as contradições de sua família, a turbulência política do país desde o impeachment de Dilma Rousseff até a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência. As cenas de bastidores, como a dos dias e horas que antecederam a prisão de Lula, são um rico documento histórico.