Com sessões de pré-estreia nesta quarta-feira (1º) e em cartaz a partir de quinta, Frozen II chega aos cinemas brasileiros mais de um mês após seu lançamento em alguns dos principais mercados, como Estados Unidos, China, Japão e Reino Unido, tempo suficiente para já ter ultrapassado a barreira de US$ 1 bilhão nas bilheterias. Esse êxito é explicado mais pela memória do público, ávido por reencontrar as irmãs Elsa e Anna, do que pelo conteúdo do novo filme, que, apesar de ser visualmente fascinante, empalidece na comparação com a animação original, de 2013.
O desafio dos diretores Chris Buck e Jennifer Lee – os mesmos de Frozen – era árduo. Como suplantar ou pelo menos igualar a obra que se tornou um ícone cultural ao atualizar as heroínas Disney à luz do empoderamento feminino (Elsa é uma princesa que não precisa de um príncipe) e, pode-se dizer, da diversidade sexual (a mesma personagem, vale lembrar, foi adotada pela comunidade LGBT+)? Como superar ou pelo menos empatar com o desenho animado do estúdio de maior sucesso comercial, com US$ 1,27 bilhão arrecadados, até o remake de O Rei Leão (2019)? Como bater ou pelo menos repetir os feitos anteriores – os Oscar de melhor longa-metragem de animação e canção (Let It Go, conhecida no Brasil como Livre Estou, hino em lares de família e em desfiles contra o preconceito)?
A boa notícia é que Frozen II (concorrente ao Globo de Ouro de animação no próximo domingo) não comete o pecado de muitas continuações, aquelas que simplesmente recontam a história original. Aliás, até faz isso, mas de maneira muito divertida e mais para o meio do filme, quando Olaf dispara uma versão resumidíssima dos eventos anteriores – o boneco de neve, que atravessa uma espécie de crise existencial típica da puberdade, é o humorista por excelência da trama (não por acaso, seu dublador na versão em português é Fábio Porchat).
Essa trama começa com um mergulho no passado. Estamos de volta à infância de Elsa e Anna, que ouvem seu pai contar uma história de quando era príncipe de Arendelle. Ele relembra uma visita à floresta dos elementos (água, terra, ar e fogo) que acabou em tragédia: um conflito entre uma tribo nativa, os Northuldra, e o povo de Arendelle.
No presente, a jovem Elsa passa a escutar uma voz misteriosa, um chamado. Na companhia de Anna, Kristoff, Olaf e a rena Sven, ela parte em uma jornada rumo às míticas terras de Ahtohallan, onde aprenderá mais sobre seus poderes congelantes e descobrirá um segredo de sua família.
O roteiro de Frozen II aborda mais temas do que o primeiro. Parece algo positivo, mas, em um desenho animado que é mais voltado ao público infantil, falta concisão. Faltam tempo (são uma hora e 40 minutos de duração) e espaço para trabalhar melhor questões que vão da importância do contato e da preservação da natureza a uma autocrítica sobre o colonialismo, da busca por um equilíbrio espiritual ao complexo processo de convivência: às vezes, como Elsa, precisamos esconder quem nós somos de verdade; em outras, como Anna, nos preocupamos tanto com quem amamos, que acabamos sendo superprotetores, freando seu desenvolvimento.
Sente-se também a ausência de novos personagens que sejam realmente marcantes, como aconteceu, por exemplo, a cada segmento da franquia Toy Story, e as músicas, no geral, são menos inspiradas, mas há duas grandes exceções. Uma delas é a balada rock oitentista cantada por Kristoff, que, em cena, vira um astro de videoclipe daquela década. A segunda, com poder de sobra para redimir Frozen II na memória afetiva, é a canção principal, indicada ao Globo de Ouro e cotada ao Oscar: Into the Unknown, “rumo o desconhecido” (traduzida no Brasil, por motivos de fonética, como Minha Intuição).
De melodia galopante – especialmente na versão dos créditos finais, pela banda Panic! at the Disco –, sua letra ilustra a conversa que Elsa trava com a tal voz misteriosa: “Eu te escuto / Mas não vou / Não, não me chame / Já sei quem sou”. Permite interpretações e identificações variadas – com versos como “tenho medo do que arriscarei se te seguir”, roça a fronteira histórica que a protagonista acaba não atravessando: a de se tornar a primeira princesa lésbica da Disney. Não encare como spoiler, afinal, um mês depois da estreia nos EUA, todos já saberíamos se isso tivesse acontecido, né?
Seja como for, o importante é que Frozen II reforça a mensagem de independência e união às meninas: elas não necessitam de príncipes encantados para serem felizes e podem contar umas com as outras para enfrentar desafios. E a canção, que é um grude (minhas filhas adoram cantar, buscando imitar os agudos do vocalista Brendon Urie no refrão em inglês), convida o público (infantil ou não) à introspecção, algo que costuma ficar em segundo plano nestes tempos de tanta exposição.