Se tem um produto que está, literalmente, na boca de todo mundo no Rio Grande do Sul, e este ano tem motivos para estar exibido, é a erva-mate. Em junho, tornou-se o primeiro a ser reconhecido como patrimônio imaterial do Estado (leia mais abaixo); e, em julho, ganhou a 1ª Conferência Internacional do Mate e a 1ª Semana da Erva-Mate, em Machadinho.
Confesso que iniciei esse texto pensando apenas na rota turística da erva-mate da minha região, a do Alto do Taquari, que engloba sete municípios e há pouco passou por uma atualização. Mas é preciso dizer que há cinco polos produtores no Estado, três roteiros turísticos consolidados, um em fase de implantação e um quinto que ainda precisa ser estruturado. No total, são 14 mil os produtores nessas regiões e, ainda que o Paraná seja o principal produtor da folha no país, o RS é o principal exportador e industrializador, sem contar o consumo interno de 110 mil toneladas/ano.
Ilvandro Barreto de Melo, engenheiro agrônomo da Emater/RS-Ascar e coordenador do Programa Gaúcho para Qualidade e Valorização da Erva-Mate (PGMate), observa que o PGMate tem 11 projetos, entre os quais o Ilex Turismo, para desenvolver o setor turístico nos polos ervateiros.
Num dos mais consolidados, o do Alto Taquari, a geógrafa Ariana Maia e a sommelier de chás Carla Saueressig promovem desde 2019 a Caravana da Erva-mate, imersão voltada a grupos de especialistas (chefs de cozinha, sommeliers de chás, de vinhos, de café, de cerveja...), com no máximo 20 pessoas, que percorrem a região aprendendo não só sobre o produto e seus benefícios, mas entendendo o contexto histórico-cultural, desde a época em que os indígenas habitavam a região aos dias de hoje.
— Mostramos a erva-mate em toda a sua essência. Ela é um alimento e fazemos inclusive análise sensorial — explica Ariana, moradora de Ilópolis.
Além de receber esses e outros tipos de grupos, ela se dedica a consultorias e a mostrar aos produtores e empreendedores locais como inserir produtos à base de erva-mate no turismo. A recente inclusão na lista de patrimônio imaterial, para Ariana, pode ajudar a gerar interesse em visitar as regiões produtoras e sensibilizar quem vive da erva-mate, mas ainda não percebeu todo o potencial. O próximo passo é obter o registro de indicação geográfica, processo em andamento.
Secretária de Cultura, Turismo, Desporto e Lazer de Ilópolis, Emilia Favero Gasparin conhece bem a importância do produto que é a base da economia do seu município — ela e o marido produzem erva-mate em folha e vendem para uma ervateira da comunidade. Na rota turística coordenada pela Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvales), da qual Ilópolis faz parte, além da proximidade, as belezas naturais e a erva-mate são o ponto de convergência, diz ela. Sobre o fato de a erva-mate agora ser patrimônio imaterial, Emilia resume assim:
— É um marco. Ao receber um visitante com um delicioso chimarrão, estamos contando a ele um pouco de nossa história e aprendendo a sua. Ele entenderá que a erva-mate não é apenas uma planta, mas representa saberes, modos de fazer.
Além do chimarrão
Extensionista da Emater aposentada, Ludmila Alves Gallon, 70 anos, sequer consegue enumerar a quantidade de produtos que já desenvolveu à base da erva-mate. Formada em Pedagogia com especialização em Educação Ambiental e Psicopedagogia, ela ministra cursos e oficinas no Museu do Pão, em Ilópolis, na própria casa e em qualquer ponto do RS ou do país em que for requisitada.
Preocupada com a alimentação saudável, Ludmila tem como foco a panificação e a confeitaria. Desde 1981, mora em Anta Gorda, e sempre teve familiaridade com a erva-mate, mas não tanta quanto ao ser transferida, como extensionista, para a vizinha Ilópolis. Foi aí que ela passou a incorporar o produto nas receitas:
— Comecei a ver a erva-mate de outra forma e a inseri-la no meu trabalho na extensão rural. Passei a estudar a planta e testar diferentes usos. Minha primeira receita foi o suco refrescante com as folhas imaturas, minha preferida até hoje, pelo sabor, frescor e facilidade do preparo. Quanto mais estudo sobre a planta, mais me fascina.
Hoje, a erva-mate é o carro-chefe dos produtos de Ludmila, em receitas doces e salgadas, agridoces, bebidas (chás, licores, suco, chocolate quente...). Há pouco, com a aprovação de uma equipe técnica, criou o "pão Anta Gorda", que será lançado nos 60 anos do município, comemorados em 2023.
— É preciso inovar e valorizar os potenciais da erva-mate — que podem e devem ser melhor explorados na área do turismo rural, gastronômico e cultural —, divulgá-la para além do chimarrão. Isso ajuda a fortalecer os cinco polos ervateiros do Estado — defende.
Polos e roteiros
- Celeiro Missões: 80 municípios, com sede em Palmeira das Missões (Caminhos da Erva-Mate)
- Região dos Vales: 15 municípios, com sede em Venâncio Aires (Rota do Chimarrão)
- Alto Taquari: 39 municípios, com sede em Ilópolis (Rota da Erva-Mate, com sete dos municípios, e Caravana da Erva-Mate)
- Nordeste Gaúcho: 41 municípios, com sede em Machadinho (Circuito das Águas, das Tropas e do Mate), em ajustes finais para funcionamento
- Alto Uruguai: 30 municípios, com sede em Erechim (roteiro turístico em fase de estruturação)
Patrimônios imateriais
- O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) declarou a erva-mate como patrimônio imaterial, o primeiro do RS, em 13 de junho último, pela portaria 44/2023. Além disso, a lei 7.439, de 8/12/1980, instituiu a erva-mate como árvore-símbolo do Estado, e a de número 11.929, de 20/6/2003, consagrou o chimarrão como bebida-símbolo do RS.
- O Estado tem mais dois patrimônios imateriais reconhecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan): a tradição doceira de Pelotas e a Tava, Lugar de Referência para o Povo Guarani.