Em que pesem sua biblioteca de mais de 15 mil volumes, a sólida formação na área de Letras, a publicação dos três livros anteriores e os mais de 30 anos de prática jornalística, Romar Rudolfo Beling é um entrevistador despretensioso, sem a preocupação em parecer erudito, no recém-lançado Entrevistos: Conversas com Escritores. Vol. 1 – Estrangeiros.
Os encontros com os 20 autores abordados nessa coletânea ocorreram nos mais diversos formatos e circunstâncias: da tradicional entrevista pergunta-resposta (exclusiva ou coletiva, ao vivo, por telefone, por e-mail, WhatsApp; em Santa Cruz do Sul, onde vive o autor, em outras cidades do Interior, em Porto Alegre ou no Exterior), passando por anotações pontuais para descrever conferências e palestras a bate-papos menos formais. Daí o título espirituoso: entrevistOs, e não entrevistAs.
Não é pouco, porém, o que Romar oferece. Entre os escritores, a maioria é formada por ficcionistas, mas há também teóricos e filósofos e quatro ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura. Não se trata de conversas longas, mas reveladoras de seu tempo – do escritor e do próprio entrevistador, que se indulgencia por questões formuladas à luz de sua idade e da (pouca) experiência pretéritas, já que ele abarca um período de quase três décadas, embora a maioria dos textos retratados vá de 2010 a 2015 e, das duas dezenas de citados, há apenas uma mulher e três deles já são falecidos.
Quando mencionei a despretensão de Romar como entrevistador não quis dizer com isso que suas perguntas soam singelas ou ingênuas. É que ele não tenta transbordar suas leituras e seu conhecimento em longas afirmações que por vezes nem exigiriam respostas do interlocutor, como não é incomum de se ver na fórmula “pingue-pongue”. Ele sabe do que está falando, mas abre a porteira e deixa o autor entrar. Obtém o melhor e transfere o pensamento de forma compreensível e precisa a quem o lê. Em algumas ocasiões, obtém tiradas irônicas, como no caso do chileno Antonio Skármeta, com quem conversou várias vezes, ao fazer a elementar pergunta sobre se havia um livro novo à vista.
– Levo tanto tempo escrevendo-o que já não sei se é novo – respondeu, com graça, o autor de O Carteiro e o Poeta.
É da mesma forma bem-humorada a reação do argentino Alberto Manguel sobre questionamento a respeito da leitura em outros suportes para além do livro impresso.
– Acreditamos superar a leitura em rolo dos romanos, e voltamos a ela na leitura em uma tela; e nossos iPads são versões novas das tabuletas de argila mesopotâmicas. Somos incuráveis nostálgicos – retrucou Manguel.
Sem intenção de manual, vez que outra surgem dicas como a do português Gonçalo M. Tavares para candidatos à arte da escrita literária.
– Escrever transforma a pessoa quase em atleta, requer persistência. Talvez não seja necessário para outro tipo de escrita, mas não se conclui um romance escrevendo de vez em quando umas linhas, e sim com muita disciplina – advertiu o ex-jogador de futebol, daí a metáfora.
O entrevistador instiga os entrevistados a falarem de temas contemporâneos, de circunstâncias nacionais a geopolítica, buscando mais o que une os países referidos e menos o que os separa. Aparecem em destaque as influências mútuas e as tentativas de aproximação entre as literaturas do Brasil e as de outros países de língua portuguesa, na voz de José Saramago (1922-2010), Mia Couto, Pepetela e Gonçalo M. Tavares. Sobressaem, ainda, o otimismo do turco Orhan Pamuk, ganhador do Nobel de 2006, e o bom humor do britânico Salman Rushdie. Há, entre os textos – a maioria publicada no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul –, alguns inéditos, como o do alemão Hans Ulrich Gumbrecht e o do israelense David Grossman.
Ao final de cada capítulo, encabeçado pelo nome do autor, em ordem alfabética (a mim pareceu uma espécie de deferência!), Romar concede um bônus, enumerando títulos referenciais do respectivo escritor.
De grande parte dos nomes, ele mantém em sua biblioteca quase todas as obras publicadas em português, dedicando-se a ler tudo o que há disponível para só então confrontá-los. A leitura literária e a possibilidade de ficar cara a cara com autores, ressalta na introdução, são paixões quase obsessivas, ainda que não sua principal ocupação.
“Com todos eles, aprendo, aprendo sobre mim, não com a soberba do conhecimento, mas com a sabedoria da ponderação. Todos eles me dizem: avança, persiste, lê mais, vive mais. (...) Sei que leio por mim, e compreendo que não posso ler por mais ninguém”, pontua na abertura.
Modéstia de Romar, que agora compartilha o fruto das leituras e dos diálogos com os próprios leitores. E que em breve oferecerá, no volume 2, o resultado da apuração com 30 escritores brasileiros. Aguardemos.