Por Armindo Trevisan
Poeta, professor e crítico de arte
Quanto mais velho um poeta fica, mais se convence de que seu ofício resulta numa modesta produção de linguagem. O poeta, segundo penso, intervém na língua materna mediante três formas de intensificação verbal: a) dando ao Dicionário novas estruturas significativas; b) conferindo ao falar comum novos ritmos; c) atribuindo às frases, por meio de comparações e metáforas, significados inéditos.
Vejamos como o Houaiss define rosa. O primeira significado é: “flor de roseira”. O dicionário, porém, não se detém no vocábulo em si, no seu grafismo ou na sonoridade da palavra. Interessa-se somente por seu valor informativo. Chega a registrar que existem 150 variedades de rosas. Como sexto significado, anota: “mulher formosa”. O nono significado: “estado de satisfação do corpo ou do espírito, bem-aventurança, ventura”. O décimo: “rosa dos ventos”.
Do exposto vê-se que, no próprio Dicionário, já existem intromissões poéticas. Para chegar ao poema, todavia, a poesia exige que a palavra contenha também emoções pessoais do poeta, acompanhadas, eventualmente, de sentimentos e emoções coletivas. Drummond de Andrade relatou que uma empregada sua o surpreendeu com a seguinte expressão:
– Doutor Drummond, o televisor ia cair, mas eu peguei ele na flor do ar...
Como se vê, a moça alterou uma expressão já dicionarizada, pois na fala comum costuma-se dizer: “à flor dos lábios; na flor dos anos; ou flor de farinha”. O Houaiss registra: “Fulano é uma flor de rapaz”.
Sinto-me na obrigação de fornecer aos leitores pistas para que possam ler e interpretar com mais generosidade meus poemas da nova antologia, que retoma poemas selecionados de duas outras antologias, de 1986 e de 2001, com acréscimos de meu livro Adega Imaginária (2013). Os 115 poemas que aparecem com a menção “inéditos” são, de fato, inéditos. Devem seu lirismo às impressões de alguém que se sente submetido às pressões de uma sociedade consumista, tecnológica e informática.
O problema é que são raros os astrofísicos, biólogos moleculares e físicos quânticos com vocação poética. Carl Sagan foi uma exceção. Morreu prematuramente aos 62 anos, em 1996. Para provar que foi poeta, cito-lhe o seguinte trecho: “(...) cada um de nós, do ponto de vista cósmico, é precioso. Se um ser humano discordar de vocês, deixem-no viver. Nas 100 milhões de galáxias, não encontrarão outro” (Cosmos. Lisboa: Gradiva, 1984, p. 91).
Considero-me um modesto imitador de dois poetas: Dante e Camões. Ambos enfrentaram idêntico problema: poetizar enigmas que estou enfrentando, os quais: o surgimento de um Cosmos, inaugurado por dois inovadores, Charles Darwin e James Clerk Maxwell, o maior físico teórico do século 19, precursor de Albert Einstein. A despeito de sua ciência, Maxwell foi profundamente cristão. Em meus poemas, tive de formular-me uma questão: “Será permitido a um poeta de hoje compor poemas inspirado nas descobertas que os cientistas têm feito, ou estão fazendo?”. Dante, em sua Divina Comédia, aproveitou a ciência de seu tempo; Camões, na sua epopeia, fez o mesmo. Ocorreu-me, pois, abordar uma temática, até certo ponto insólita: a da Cosmologia Contemporânea.
Naturalmente, tento poetizar, ao mesmo tempo, aspectos que independem das ciências, ou seja, as revoluções que ocorrem no interior de nossos corações, que suspiram por mais ar e, sobretudo, por mais felicidade.
Não tenho a fantasia, muito menos a presunção, de comparar-me a Dante ou a Camões! Rogo a meus leitores que apenas leiam meus poemas “como poesia”. Passados 700 anos da morte de Dante, o que resta de mais genial em seu poema é justamente a sua Poesia.
Deixo os cientistas à vontade para aplicarem seus olhos aos telescópios e aos microscópios. Venero as ciências. No que me diz respeito, imito Wal Whitman, que, depois de ouvir uma sábia conferência de um astrônomo, saiu de sua casa e foi contemplar o céu estrelado. Como o fazia, de resto, o filósofo Kant, que o contemplou muitas vezes em Könisberg.