Apesar dos episódios difíceis que marcaram a humanidade nos últimos cinco anos, como o recrudescimento da extrema-direita e uma pandemia matando centenas de milhares e obrigando as pessoas a se trancarem em casa, Martha Medeiros tentou manter o otimismo em seus textos. Não uma alegria efusiva, mas uma luz no fim do túnel. Conversa na Sala (256 páginas, R$ 54,90), sua mais nova reunião de crônicas, que será lançada nesta quinta-feira (3) pela L&PM, aponta nessa direção.
— Não sou dramática. Tenho, por natureza, tendência a extrair o lado bom da vida. Passamos por pandemia, por polarização política forte. Agora, vivemos em um momento de transição, de mudança de visão. Dá para falar de todas essas questões de forma positiva — diz a escritora, prestes a completar 62 anos.
São 120 crônicas publicadas de fevereiro de 2018 a abril de 2023 em Zero Hora/GZH e no jornal O Globo. A própria escritora se reinventou nesse período. Após um longo casamento, assumiu um novo relacionamento amoroso, e se antes evitava entrar no campo minado da política, passou a se posicionar — algo que não fazia em quase 40 anos de carreira. Em Uma Escolha Fácil, escrito em abril de 2022, diz preferir um governo que desiluda a um que coloque a democracia em risco.
— Tive um amadurecimento pessoal nesses cincos anos. Quando comecei a escrever colunas para jornal, escrevia coisas mais machistas. Naquela época, a gente não tinha abertura. A crônica acompanha os avanços da sociedade e do próprio autor — reflete.
De fato, uma das principais mudanças de Martha diz respeito ao olhar sobre o feminismo. Se antes via certo exagero nas reclamações renitentes de jovens mulheres pedindo por mais direitos, hoje dá legitimidade a essas reivindicações. Não só isso. Examinando a própria trajetória, lembrou-se que, ainda moça, tornara-se independente, tendo saído da casa dos pais e ido viajar sozinha pelo mundo com apenas uma mochila nas costas antes de isso virar tendência.
A autoanálise a fez reconhecer que ela também precisou de espaço e liberdade, como clamam as feministas. Diversos textos de Conversa na Sala falam sobre o lado bom da solidão, de tornar o estar consigo mesma um momento especial, sem avidez pela fusão difundida pelo amor romântico que já maravilhou as mulheres, suas principais leitoras. Festa de Um fala da importância de saber dançar sozinho, além de sugerir uma trilha sonora de alto nível para os leitores, como a eletrizante Fade Out Lines, de The Avener.
É uma Martha mais solta e atualizada a dos últimos cinco anos. Em Os Chatos Necessários, de julho de 2021, reconhece a importância de grupos identitários cujo posicionamento, tido por alguns como "mimimi", conquistou avanços sociais inegáveis como o fim da escravidão e o voto feminino.
— Não tem como ficar indiferente vendo os índices de feminicídio e a violência que as mulheres ainda sofrem. Em função de menos informação, eu tinha uma ideia nebulosa desses assuntos. Hoje, tenho uma visão microscópica dos problemas das mulheres e acabo emprestando a minha voz a esse movimento importantíssimo — diz.
Mas Make Love, de março de 2022, é o texto preferido da autora. Ela diz que o sexo é o antipecado e instiga as pessoas a fazerem amor apesar dos que estão no poder, que sequer sabem o que amor significa, e pede que façamos amor apesar de um dia termos achado que a estupidez do mundo era algo passageiro. Se for otimismo, não é ingênuo — é por resistência.
— Meu lado solar é um reconhecimento de que a vida é difícil. Eu estou vendo o que está acontecendo, sei que a vida é trágica, que o mundo é uma barra. Como posso contribuir?