Antes de completar seis meses de governo, o presidente Lula acumula derrotas no Congresso, abre o cofre e libera emendas parlamentares à mancheia e descobre que a articulação política é frágil e sua base parlamentar é infiel por natureza. Nas primeiras votações, o presidente constatou que não pode contar nem com os deputados de partidos que ocupam ministérios e cargos de segundo e terceiro escalões.
Especificamente no projeto do marco temporal, ficou claro que não houve diálogo. Os deputados que aprovaram o projeto por larga margem não votaram a favor para derrotar o governo, mas porque realmente não estão comprometidos com a causa indígena, como Lula está. A maior preocupação dos parlamentares é com os agricultores, que temem perder terras para os indígenas.
Com frequência, Lula atravessa a rua para escorregar numa casca de banana. Foi assim quando se ofereceu para mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia e atravessou o samba culpando o país agredido. À época, disse que a Ucrânia tinha tanta culpa pela guerra quanto a Rússia e que "quando um não quer, dois não brigam". Para piorar, culpou a Europa e os Estados Unidos pela continuidade da guerra. Depois foi obrigado a remendar, mas perdeu a almejada condição de protagonista.
Enquanto viajava pelo mundo, o presidente esqueceu que precisava azeitar a relação com o Congresso, até porque estava por vencer o prazo de validade das medidas provisórias editadas no início do governo. Seus interlocutores, o chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, não perceberam as derrotas que se desenhavam no horizonte.
O primeiro sinal veio há sete dias, quando a comissão mista que examina a MP da reestruturação do governo depenou o Ministério do Meio Ambiente e o dos Povos Indígenas. Há risco de derrota no plenário, o que é incomum, dado que a cada governo é dado o direito de escolher como quer estruturar o ministério.
O caldo entornou no início desta semana, com a recepção calorosa ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e as declarações que irritaram o Congresso por tratar a ditadura venezuelana como uma "narrativa". Lula conseguiu irritar os aliados e dar munição aos oposicionistas para bombardearam seu governo.
O deputado Alceu Moreira, do MDB, partido da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e de outros dois ministros, se declara oposição e faz duras críticas às manifestações de Lula e à visita de Maduro:
— O governo desde que assumiu, com as manifestações do próprio presidente, acaba trazendo algo que não esperávamos na idade dele. Deveria ser alguém com mais resiliência, capacidade de compreensão, acabar com esse guerra ideológica. Isso manteve o ambiente acirrado.
Apesar das críticas a Lula, Alceu é favorável à MP da reestruturação do governo:
— Quem ganhou a eleição tem que ter o direito de governar.
Único deputado do PSD, Luciano Azevedo, que assumiu com a licença de Danrlei de Deus, diz que as respostas do governo não são tão rápidas quanto os parlamentares gostariam e que a articulação política é problemática. Azevedo é outro que classifica como "desastrosa" a visita do Maduro, mas tem esperança de que o governo acerte. Seu voto é a favor da MP da reestruturação administrativa, apesar da divergência com a posição do governo em torno do marco temporal.
— O PSD quer que o governo dê certo. Mas o governo não pode querer puxar o centro para a esquerda, tem que caminhar para o centro.
Deputados aliados reclamam da dificuldade em falar com os ministros. Um dos gaúchos reclama que tenta há 45 dias uma audiência com o ministro Padilha.
Presidente do União Brasil no Rio Grande do Sul, o deputado Luiz Carlos Busato contou que os líderes do partido se reuniram e "há um espírito de votar contra ou fazer obstrução", que é a mesma coisa de votar contra, porque a MP caduca nesta quinta-feira (1º).
— O clima no União é de insatisfação geral — resume Busato.
Desde o início do governo, o União Brasil é um aliado problemático, já que nasceu dividido. Os ministérios colocados na conta do partido não representam a bancada na Câmara. Só o presidente, Luciano Bivar, tem simpatia pelo Planalto. Os ministros Juscelino Filho e Waldez Góes foram bancados pelo senador Davi Alcolumbre. A ministra Daniela do Waguinho também não teve o aval da bancada e ameaça sair do União. Além disso, é considerada fraca e tecnicamente incapaz de fazer o Ministério do Turismo render dividendos políticos.
No início da noite desta quarta-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira, subiu o tom e disse que eventual derrota do governo na MP dos ministérios não será por culpa dos deputados:
— Há uma insatisfação generalizada dos deputados, e talvez dos senadores, que ainda não se posicionaram, com a falta de articulação política do governo, não de um ou outro ministro — afirmou Lira.
ALIÁS
O mal explicado episódio em que seguranças de Nicolás Maduro e agentes do Gabinete de Segurança Institucional agrediram jornalistas ampliou o desgaste de Lula. Na Venezuela não existe liberdade de imprensa e os jornalistas são tratados como inimigos. O soco em Delis Ortiz atingiu toda a imprensa brasileira e não pode ser tratado como normal.