Como no poema de Augusto dos Anjos, na relação do Congresso com o presidente Lula "a mão que afaga é a mesma que apedreja". Em um dia, o governo comemora o sucesso da articulação do presidente da Câmara, Arthur Lira, com a aprovação da nova regra fiscal com 372 votos favoráveis, quórum mais do que suficiente para emendar a Constituição. No outro, como se fosse uma ressaca de vinho ruim, vê a ala conservadora e majoritária da Câmara destruir os pilares da política ambiental do governo, com os esvaziamentos dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.
Nunca tinha se visto uma medida provisória que trata de reforma administrativa ser tão retalhada. Em geral, o Congresso apenas homologa as mudanças de estrutura que o novo governo propõe.
Desta vez, foi diferente. A Câmara passou a boiada, como diria o ex-ministro Ricardo Salles. No que depender dos deputados que rezam pela cartilha de Lira, Lula não terá autonomia para aplicar seu plano de governo, principalmente naquilo que seria o cartão de visitas de sua gestão aos olhos do mundo, a política de proteção da Floresta Amazônica, do Pantanal, da Mata Atlântica e do bioma Pampa.
Lula não tugiu nem mugiu diante da desconstrução dos ministérios comandados por Marina Silva e Sônia Guajajara. Não se sabe se tem alguma estratégia para reverter a derrota ou se está conformado em ser rainha da Inglaterra, tendo Lira como primeiro-ministro de fato.
Não por acaso, na internet multiplicaram-se os memes que mostram Lula refém de Lira. O mais emblemático é o que diz "faz L. De Lira".
O recado está dado: o governo não tem maioria sólida no Congresso. Tem aliados de ocasião, para projetos específicos ou que trocam votos por emendas. Maioria é outra coisa.
É fato que o presidente tem críticas aos ambientalistas que atrasam obras querendo preservar um achado arqueológico ou um animal ameaçado de extinção. Nos dois primeiros mandatos, Lula muito criticou o atraso em obras do PAC por questões ambientais. Era comum debochar dos bichos e dos "cacos de pratos" que atrasavam ou impediam a realização de certas obras. No Rio Grande do Sul, o alvo era a perereca que empacava duplicação da BR-101.
Talvez isso explique por que resistiu em entregar o Ministério do Meio Ambiente a Marina e ofereceu a ela o posto de Autoridade Climática. Marina rejeitou, imaginando que no ministério teria autonomia, mas não teve forças nem para resistir à pressão dos aliados e dos colegas de Esplanada.