Um Lula mais preocupado com o futuro da economia do país e menos afeito a falar sobre adversários políticos, como o ex-presidente Jair Bolsonaro e o senador e ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, recebeu um grupo de 40 jornalistas na manhã desta quinta-feira (6) para um café da manhã no Palácio do Planalto. Durante uma hora e meia, o presidente fez um balanço dos primeiros cem dias de mandato, lembrados na próxima segunda-feira (10). Perguntado sobre as frases polêmicas de duas semanas atrás a respeito de Moro, Lula brincou com o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação, a sua direita.
— Pimenta tem me orientado todo dia a não falar nesses nomes que você falou (Moro e Bolsonaro). Por isso que nem citei os nomes. Eu não tenho que falar da coisa nem do coiso — afirmou.
Lula disse que na primeira fase do governo buscou retomar projetos sociais que, na opinião dele, deram certo nos mandatos anteriores do PT. No retorno da China, para onde embarca na terça-feira (11), disse querer focar na economia. A seguir os principais tópicos da conversa com os repórteres.
Juro
O presidente voltou a criticar a alta taxa de juro no Brasil, porém, de forma mais comedida do que em outras ocasiões.
— A gente imaginar que se possa estabelecer crédito com taxa de juro acima de 15%, tem gente pegando juro a 30% no mercado para fazer investimento... Não é possível o país continuar assim. Nós vamos ter que descobrir com muita clareza, quando eu voltar da China, uma política de crédito para pequeno e médio investidor, para cooperativas, para o agronegócio, pequenos e médios empresários, porque somente com circulação de dinheiro é que a gente vai poder retomar o crescimento desse país — afirmou.
Lula voltou a dizer que não pretende privatizar empresas durante seu mandato:
— Não vamos privatizar empresas para trazer dinheiro. Queremos que as pessoas que venham para o Brasil venham para fazer investimentos em coisas novas, em muitas obras de infraestrutura — declarou.
Crescimento da economia
Em duas ocasiões, Lula se referiu ao "milagre do crescimento", expressão adotada em seu primeiro mandato para se referir à economia.
— Vamos fazer um esforço incomensurável para fazer a ecomomia crescer. Minha obsessão nos primeiros três meses era retomar todas as políticas sociais que deram certo nesse país. Minha obsessão agora é com crescimento e geração de emprego. E tenho certeza de que vamos ter sucesso. Quando eu falei espetáculo do crescimento não foram poucos os jornalistas que caçoaram com a minha frase, dita em uma reunião na Ford em 2004 — lembrou.
Na sequência, Lula lembrou que, naquele ano, a economia cresceu 5,8%.
— Ali, estava estava começando um jeito positivo de a economia brasileira voltar a funcionar. Estou convencido de que ela vai funcionar na medida em que a gente volte a colocar o pobre no orçamento, que a gente melhore a massa salarial e que a gente faça mudanças no Imposto de Renda para que quem ganha mais pague mais e quem ganha menos pague menos. Economia não tem mágica.
Tragédia em Blumenau
Lula afirmou que o ataque a uma creche em Blumenau é "humanamente inexplicável".
— Precisamos encontrar um jeito de resolver isso. Mudando a cabeça da humanidade. Não é tarefa para um governo ou um homem. O mundo está tomado por um clima de ódio.
Política fiscal
O presidente elogiou o modelo de regra fiscal feito por sua equipe econômica, considerando-o "uma engenharia muito bem feita". Nesse momento, voltou a criticar a taxa de juro estabelecida pelo Banco Central. Mas afirmou:
— Não vou ficar brigando com o presidente do Banco Central. Porque ele tem dois anos (de mandato) ainda. Mas essa taxa de juro é incompreensível.
Novo Ensino Médio
Questionado se a portaria sobre o novo Ensino Médio suspendia o projeto ou se a ideia seria revogá-lo por completo, o presidente declarou que a intenção é apenas rediscutir o modelo - não cancelá-lo de vez:
— Camilo Santana está cumprindo uma decisão extraída da comissão de educação da transição, que disse explicitamente para continuar. Não vamos revogar.
Vaga no STF
Lula considerou precipitadas as discussões sobre o nome que irá indicar para a vaga deixada por Ricardo Lewandowski no Supremo.
— Não estou preocupado com a escolha. Tem muita gente boa, tem mais gente preparada para a Suprema Corte do que quando eu tive de escolher (outros ministros, em mandatos anteriores). Não tenho pressa. O critério de escolha vai ser feito por mim. Bem pensado. Bem discutido. Jamais indiquei (magistrados da Corte) por dever favor. O ministro tem de ser alguém que vote em função dos autos de cada processo no momento em que for votar. Já indiquei seis, tenho muita experiência e vou tentar aperfeiçoar.
Relações com o Congresso
O presidente negou que haja problemas na relação entre governo e Congresso:
— Até hoje não senti dificuldade na relação com o Congresso. Eu não era nem presidente e aprovamos a PEC (da Transição).
Mas considera que haverá dificuldades na tramitação da reforma tributária.
— A politica tributária possivelmente será a mais difícil (de votar). Porque a gente vai mexer no bolso de muita gente. E a parte mais sensível do ser humano é o bolso — ponderou.
— Porque, sobre política tributária, você tem gente que não paga, gente que é favorecida e tem os mais pobres, que são os mais penalizados, o pobre é descontado na folha de pagamento.
Moro e Bolsonaro
O presidente evitou se referir a Bolsonaro e a Moro.
— Não tenho que falar nem do coiso, nem da coisa. Só tenho que falar de futuro do país. Pretendo falar mais de economia, de emprego, desenvolvimento da indústria, serviços — disse.
Mas declarou que Bolsonaro "voltou, como qualquer ex-presidente tem o direito de voltar ao país".
— Eu tenho certeza de que ele vai querer voltar a ser candidato a presidente — disse.
— Mas também tenho certeza de que ele vai responder aos inquéritos. E, principalmente um, que nem se está falando muito, que são os mais de 700 mil mortos de covid, que pelo menos a metade ele é responsável — acrescentou.
Guerra na Ucrânia
Lula disse que está empenhado em falar de paz com Emmanuel Macron (presidente da França), Volodimir Zelensky (da Ucrânia), Vladimir Putin (da Rússia), Olaf Scholz (chanceler alemão). Acrescentou que irá à China para conversar com o presidente Xi Jinping sobre o tema.
— Não há justificativa para essa guerra (entre Rússia e Ucrânia). Essa guerra já passou da conta — disse.
— O Brasil defende a integridade territorial. Não concordamos com a invasão da Ucrânia. Mas achamos que a UE e os EUA não podiam ter entrado (no conflito) sem ter gastado tempo para negociar.
Ao falar do confronto, lembrou seus tempos de sindicalista, ao comparar a guerra com uma greve.
— A paz é mais complexa do que a guerra. A guerra é um ato insano. A paz tem de ser costurada — afirmou. — Alguém tem de parar em algum momento.
Ele disse que espera retornar da China com a ideia de um grupo pela paz, que pode ser integrado por, além do Brasil e da China, Indonésia e Índia.
Investimentos chineses
Além de tentar negociar a paz entre Rússia e Ucrânia, ele disse que irá discutir com o líder chinês Xi Jinping investimentos no Brasil. Mas advertiu:
— Quero dizer que o investimento deles é bem-vindo, mas não para comprar nossas empresas. Mas para construir coisas novas. O que precisamos não é vender nossos ativos, mas construir novos. É isso o que quero convencer (a China).
Obras
Lula disse disse que se reuniu com governadores na quarta-feira (5) e pediu que listassem as principais obras de infraestrutura. Deu como exemplo o fato de que, em quatro anos, o governo Bolsonaro investiu R$ 21 bilhões em infraestrutura de transporte. Em 2023, prometeu investir R$ 23 bilhões no setor.
Indústria automobilística
Questionado sobre a indústria automobilística e a paralisação na produção em algumas montadoras, Lula lembrou de 2010, ano em que deixou a Presidência.
— A indústria automobilística vendia 3,8 milhões carros por ano. Hoje estamos licenciando metade do número de carros que licenciávamos em 2010. A indústria automobilística parou de vender porque o povo parou de comprar. Por isso, as empresas estão dando férias coletivas.
O presidente contou que está preocupado com o tema e que deseja fazer uma reunião entre representantes da indústria automobilística e dirigentes sindicais para tratar do tema.
— Não para discutir se vai diminuir IPI, essa reunião já fizemos há muito tempo. É preciso ter uma discussão mais profunda do que a gente quer da indústria automobilística brasileira, porque a gente também tem de assumir a responsabilidade de facilitar o financiamento — analisou.