O secretário-geral do PT e ex-deputado federal pelo Rio Grande do Sul Henrique Fontana esteve em Moscou recentemente a convite do partido Rússia Unida, de Vladimir Putin. Fontana e o secretário de Relações Institucionais da legenda brasileira, Romênio Pereira, foram convidados pela agremiação russa, que busca criar uma rede de apoio em reação às sanções do Ocidente em decorrência da invasão da Ucrânia. Fontana conversou com a coluna sobre a viagem.
Como foi a viagem à Rússia, um país em guerra, do ponto de vista político?
Foi um convite que o Partido Rússia Unida fez para nosso partido, fomos eu e o secretário de Relações Internacionais. Para nós é uma relação de diplomacia partidária, o PT tem relações com o Partido Comunista da Rússia e o Partido Rússia Unida, de Putin. Eles estavam organizando um encontro com diferentes partidos. Tivemos uma reunião com um grupo de empresários, a busca deles de estabelecer mais relações econômicas com o Brasil, porque eles estão vivendo os impactos do bloqueio, em razão das sanções. Estiveram na reunião diferentes empresários. Tivemos uma reunião também com o vice-ministro de Relações Internacionais deles. Casualmente, nos dias em que estivemos lá, mas não tivemos contato, Amorim esteve lá. Foi uma coisa de governo. Nós, enquanto partido, voltamos a dizer a disposição do presidente Lula de contribuir para que se constitua alguma fórum, de ambiente, onde a alternativa de uma negociação de paz seja possível. Eles fazem a narrativa que eles têm para a guerra, mas, em geral, ressaltam que essa iniciativa e bem-vinda. E acredito que isso também será parte da pauta do presidente Lula com Xi Jinping. A busca de uma alternativa de paz é um desejo do mundo inteiro. Os conflitos entre Ucrânia e Rússia têm diferentes interpretações, narrativas. Quanto mais rápido voltarem para o terreno diplomático é tudo o que a civilização deseja.
Como foi para o PT, que tem uma visão diferente do Rússia Unida, de direita, autocrático, que viola os direitos humanos, ouvi-los?
Tratamos dos temas que, de nosso ponto de vista, a gente valoriza: a paz, o fortalecimento dos Brics, o fato de a presidente Dilma assumir o banco dos Brics. Por natural respeito deles a nossa visão programática, as pautas foram assuntos que geram convergência: buscar alternativas de fortalecer relações comerciais entre os países. Não fomos lá para debater a visão programática da Rússia Unida nem a nossa.
O partido Rússia Unida tem uma visão de mundo alternativa ao Ocidente. Vocês chegaram a ouvir algo nesse sentido?
Quando o assunto guerra entrou, obviamente, eles fazem a alternativa que têm para a guerra. A narrativa de como a Otan avançou sobre áreas da Europa, próximas à Rússia, e que isso levou, na visão deles, a uma situação de fazer de tudo para evitar a guerra. E entraram na guerra em uma situação que eles consideravam limite. Como nosso papel é ajudar na construção da paz, não vou para uma conversa de diplomacia partidária, para julgar o meu interlocutor. Eu atendo a um convite para um diálogo e vou para tentar construir uma saída positiva. Para o mundo, por questão econômica e humanitária, interessa o fim dessa guerra. Todos os esforços têm de ser feitos nesse sentido.
O senhor chegou a ver Putin?
Não, nós nos reunimos com a direção do partido, com a principal liderança deles no espaço legislativo, um senador e um deputado na Duma. Nos reunimos com esse centro empresarial, que lida com coisas para além da indústria. Estavam ali investidores que querem investir no Brasil, em produção de fertilizantes e outras coisas e que obviamente nos solicitam, em uma diplomacia partidária, que se procure facilitar o diálogo deles com o governo. Querem reforçar uma câmara de Comércio Brasil-Rússia, movimentos para tentar superar obstáculos que as sanções colocaram sobre o país. Um exemplo: eles dizem que uma parte das indústrias automobilísticas fechou a partir do processo das sanções. Estão buscando alternativas. Por que o convite? Eles têm percebido que o Brasil tem adotado uma postura de trabalhar pela paz. Nosso presidente, a liderança maior do PT, se reuniu com Volodimir Zelensky, tem conversado com a Rússia. Acho que detectam em nós alguém que pode contribuir com a solução desse complexo conflito.
O senhor acha que há espaço na Rússia para ouvir propostas de paz?
Eu acho que sim. Se essa proposta for construída com a devida... Se ela for construída com o devido cuidado. Quem quer construir alternativa de paz, para ajudarmos isso, precisamos aglutinar mais países que possam contribuir nesse país e interlocução qualificada com os dois lados que estão no conflito: os países que estão em guerra e aqueles que têm proximidade (com aqueles que estão envolvidos). As pessoas que têm bom senso maior sabem que uma guerra como essa precisa encontrar acordo de paz que não signifique a derrota de um lado e a vitória de outro.
Gostaria de voltar à questão da ideologia do partido de Putin. O senhor se sentiu à vontade de estar com uma legenda que persegue oposição, gays, jornalistas?
O nosso partido aceitou um convite de um partido político que é importante na Rússia com o objetivo de contribuir com essas coisas sobre as quais eu te falei. Essa foi a nossa missão diplomático-partidária: contribuir para que a gente ajude a encontrar os caminhos da paz e, segundo, para que o Brasil, obviamente, mantenha e fortaleça as suas relações com a Rússia e os Brics, que são ferramentas importantes para nosso desenvolvimento. Não estou no governo, estou no partido, mas temos essa visão: o Brasil defende um mundo multipolar e nos relacionamos com diferentes países, com diferentes posições ideológicas predominantes nos governos que se instalam nesses países a cada momento. Não fizemos esses julgamentos sobre os quais tu me perguntas. Fomos com outro objetivo.