O orçamento de um país deve ser transparente, idôneo, e todo o cidadão tem o direito de saber quanto em dinheiro foi arrecadado pela nação, quanto foi distribuído e para onde vão os recursos. Nos últimos três anos, no Brasil, não tem sido assim. Por si só, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na manhã desta segunda-feira, 19 de dezembro de 2022, de considerar o orçamento secreto inconstitucional já seria histórica. Mas há outros elementos que dão contornos épicos aos últimos dias do ano.
O voto do ministro Ricardo Lewandowski desequilibrou o placar no Supremo, que terminou em 6 a 5 (Gilmar Mendes se uniu aos que se posicionavam pela manutenção do instrumento). Do julgamento que durou quatro sessões, aos 45 do segundo tempo, véspera do início do recesso, emergem frases que entrarão para os anais da democracia brasileira.
- O orçamento secreto é incompatível com a democracia - declarou a ministra Rosa Weber, presidente da Corte, relatora da ação, na quinta-feira.
O Congresso tentou correr atrás do prejuízo. Nos últimos dias, na tentativa de dar um verniz de transparência às emendas de relator, aprovou, em sessão conjunta de Câmara e Senado, uma proposta que melhor equilibrava o rateio dos recursos. Mas, no fundo, não tirava a alcunha de "secreto" ao orçamento.
Em seu voto, nesta segunda-feira (19), Lewandowski deixou claro que o projeto, aprovado às pressas para salvar o mecanismo que alçou parlamentares como Arthur Lira acima da lei, não resolvia o principal, não haviam sido tomadas providências para dar transparência à distribuição de verbas viabilizadas por meio de emendas de relator.
- Não resolveu vícios de inconstitucionalidade - disse, em resumo.
Presidente da Câmara, Lira perde seus superpoderes. Na verdade, sofre dois golpes em 24 horas: o primeiro, da noite de domingo (18), havia sido a decisão de Gilmar Mendes de liberar o extrateto para que o Bolsa Família seja pago no ano que vem. Na prática, ele fica sem poder de barganhar com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva postos de comando na Esplanada dos Ministérios em troca de votos pela aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição. Claro que o plano A, a aprovação do projeto, segue sendo importante, até porque ele é muito mais do que só para o Bolsa Família (viabiliza aumento real do salário mínimo e a reestruturação de setores como educação e saúde no primeiro ano do futuro governo). Mas, por si só, a decisão de Mendes já tira do gabinete de transição parte da pressão de depender da Câmara.
Em uma amostra de que acusou o golpe, Lira convocou para a tarde desta segunda-feira (19) uma reunião de emergência com líderes do PP para discutir caminhos alternativos. Há poucos.
A decisão do Supremo de declarar inconstitucional o orçamento secreto ajuda a recolocar o Brasil nos trilhos da moralidade e da ética política.