Diretor financeiro do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), o ex-deputado João Paulo Kleinübing era prefeito em segundo mandato de Blumenau (SC) quando ocorreu a tragédia climática de 2008, um marco que serviu para a cidade se tornar, a partir dali, referência em alertas e prevenção a desastres.
Ele conversou com a coluna sobre aprendizados a partir de tragédias naturais.
Há comparações possíveis entre o que vocês viveram em Blumenau e o que ocorreu no RS em maio?
São comparáveis na medida em que foram eventos climáticos relativamente cíclicos, embora a recorrência em Blumenau seja muito maior. A experiência de Santa Catarina é um parâmetro interessante do ponto de vista das respostas que se precisa dar: criação de sistemas de alerta, preparação permanente da população, incorporação de planos de redução de risco no planejamento urbano. Claro que cada evento é único, mas há essa semelhança: um volume de chuva muito forte, acima da média, que acabou ocasionando um transbordamento muito grande.
O senhor recém havia assumido o segundo mandato, em 2008. Como foi?
A primeira enchente em Blumenau foi em 1852, dois anos após a criação da colônia. Depois, houve a grande enchente de 1911, até hoje a maior já registrada. Houve as de 1983 e 1984, dois episódios de repercussão. Em 1983, foram 30 dias embaixo d’água, quando o rio Rio Itajaí-Açu chegou a 16 metros. As enchentes de 1983 e 1984 são os grandes marcos do início do sistema de preparação da cidade. Foi quando a gente começou a olhar para a bacia como um todo. Houve a concepção do sistema de alerta, que é fundamental. Hoje, Blumenau tem um centro de operações, o Estado tem outro, e eles se conversam. Compartilham muita informação entre dezenas de órgãos estaduais e municipais. Várias cidades compartilham essas informações.
Como foi o treinamento da população?
Em 1993, criou-se esse sistema. Você faz preparações periódicas, treina a população para ir para os abrigos. Hoje, todo mundo sabe qual é a cota de inundação da sua rua. Depois de 2008, a gente distribuiu até uma folhinha que era uma espécie de plano de contingência municipal: as pessoas colocavam atrás da porta de casa, com endereço, cota da rua e o abrigo para o qual deveria se dirigir em caso de enchente. Preparar a população sobre protocolos fora do período de evento é fundamental.
Em 2008, houve os deslizamentos de terra.
A cidade inteira derreteu. Foram três meses de chuva, 3 mil pontos de deslizamento. Foi um triplo evento: enchente, grande enxurrada e um conjunto de deslizamentos. A gente recém havia atualizado o Plano Municipal de Redução de Risco do ponto de vista geológico. Áreas da cidade foram marcadas como inseguras, houve uma série de ações do ponto de vista de planejamento urbano no sentido de que não se poderia construir em determinadas áreas da cidade. Criamos na época o Serviço de Geologia Municipal para gerar essa informação e acompanhar o que estava ocorrendo na cidade do ponto de vista dos deslizamentos e da ocupação das áreas de encosta para evitar o que ocorreu em 2008. O AlertaBlu, que é o sistema de alerta que hoje o município tem, foi criado naquela época.
Qual a importância de o ser humano se adaptar à natureza?
Esse talvez seja um dos grandes ensinamentos de 2008. Durante muito tempo, a gente tentou adaptar a natureza e o Vale do Itajaí ao que queríamos. Não, nós é que precisamos nos adaptar. Não adianta você morar onde quiser, construir a rua onde quer. Tem de compreender se aquele local de fato pode receber ocupação. Com o tempo, essa lição acaba se perdendo. Mas a função do poder público é manter isso sempre vivo.