Nada é tão ruim que não possa piorar.
Enquanto a multidão não arreda pé dos arredores do aeroporto, na tentativa de desesperada de fugir do Afeganistão sob Talibã, duas explosões atingiram em cheio o local nesta quinta-feira (26). Há mais de 70 mortes confirmadas, mas o número deve aumentar.
Quem teria interesse em aprofundar o pandemônio da capital afegão, Cabul? Quem instauraria o caos dentro do caos?
As suspeitas recaem sobre o chamado Isis-K, uma sigla que tem se tornado comum nos discursos de autoridades ocidentais, inclusive do presidente Joe Biden.
Isis, você conhece, é a sigla em inglês de Islamic State of Iraq and Syria, ou Estado Islâmico do Iraque e da Síria ou, originalmente Estado Islâmico do Iraque e do Levante), que em geral chamamos apenas de Estado Islâmico.
Trata-se do grupo terrorista que surgiu no Iraque a partir da invasão americana e da queda do regime de Saddam Hussein, conhecido por cortar a cabeça de inimigos, entre eles muitos jornalistas, e que tinha o objetivo de implantar um califado entre o Iraque e a Síria. O "K" acrescido ao Isis significa Khorasan, o nome histórico de uma ampla região da antiga Pérsia, que inclui os atuais Paquistão, Irã, Afeganistão e outras áreas da Ásia Central.
O surgimento do Isis-K obedece à lógica de funcionamento de franquias do terror.
Desde a Al-Qaeda, organizações extremistas atuam de forma globalizada, sem lideranças claras e por meio de células espalhadas por diferentes continentes, nem sempre com ligações diretas com o comando. Muitas vezes, apenas inspiram-se nos grupos originais.
O Isis-K, por exemplo, surgiu em 2014, no momento em que o Isis original (ou EI) ampliava seu califado de terror no Oriente Médio. O novo grupo ganhou adeptos a partir de extremistas no Paquistão (alguns ex-integrantes do Tehrik-i-Taliban, Movimento dos Estudantes), que se uniram a outros combatentes no Afeganistão, alguns talibãs, e juraram lealdade ao líder do EI, Abu Bakr al-Baghdadi, o líder máximo do EI morto em 2019.
Esses novos combatentes, cerca de 500, segundo sites de segurança, atuam basicamente em províncias afegãs como Kunar, Nangarhar e Nuristão. Receberam o aval do EI original para usar sua bandeira.
O curioso é que o Talibã, milícia islâmica que comandou o Afeganistão entre 1996 e 2001 e que foi deposta do poder pelos ataques americanos pós-11 de Setembro, e o Isis-K são inimigos, embora ambos sejam sunitas, ramificação do Islã em oposição aos xiitas.
O Isis-K considera que o Talibã não aplica de forma correta os preceitos do Islã, sendo por exemplo, mais "light", para usarmos uma expressão ocidental.
Uma dessas "traições", na visão do Isis-K, é o fato de o Talibã negociar com os Estados Unidos. A aproximação, a partir do diálogo estabelecido pelo ex-presidente Donald Trump no ano passado e que abriu as portas para a retirada das tropas americanas agora, faz o Isis-K considerar os talibãs "apóstatas" - a rejeição da religião, como o EI costuma considerar todo aquele que não crê no Islã em sua forma mais radical.
Em resumo, o Isis-K é pior do que o Talibã. Em 2020, por exemplo, seus homens invadiram uma maternidade de Cabul e dispararam contra médicos, enfermeiras e gestantes. Pelo menos 24 pessoas morreram. Em maio de 2021, uma bomba plantada pelo grupo em uma escola para meninas matou pelo menos cem pessoas também na capital.
Ao contrário de sua matriz, no Oriente Médio, a filial afegã do Isis não conquistou nenhum território ou implantou qualquer "califado".
Por que atacar agora - e por que o aeroporto? Ora com o simples objetivo de provocar caos, de matar talibãs, americanos e população civil, espalhar o terror, mostrar ao mundo um país ingovernável e abrir, assim, espaço para, em eventual vácuo, criar seu califado que já se mostrou falido no Iraque e na Síria.