Em meio à miséria afegã, as reluzentes caminhonetes e as modernas armas do Talibã chamam a atenção. No país onde mais de 90% da população vive abaixo da linha da pobreza, a milícia fundamentalista islâmica que reassumiu o poder no Afeganistão no último dia 15 esbanja riqueza.
As estimativas normalmente são pouco precisas e variam em bilhões, o que dificulta as análises. Um dos relatórios mais confiáveis foi desenvolvido pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e obtido pela Rádio Free Europe. O documento dá conta de que, no ano fiscal 2019-2020, o Talibã faturou US$ 1,6 bilhão, o equivalente a R$ 8,4 bilhões. Para efeitos de comparação, o governo afegão, nesse período, arrecadou US$ 5,5 bilhões.
Em 2016, o grupo apareceu entre as cinco organizações extremistas mais ricas do mundo - à época, seu faturamento estava na casa dos US$ 400 milhões. Isso significa que, em cinco anos, o Talibã quadruplicou sua arrecadação - o que explica muito como a milícia foi ganhando terreno, reconquistando áreas do Afeganistão à medida que os EUA preparavam a retirada.
Mas de onde vem o dinheiro do grupo?
Para chegarmos a algum tipo de composição, é preciso buscar outras fontes. Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), o Talibã teria arrecadado US$ 460 milhões com o tráfico de drogas. É conhecido o modus operandi da organização, que cobra cerca de 10% sobre cada etapa da cadeia de produção da papoula até a transformação da matéria-prima em ópio e heroína. À medida que o grupo foi se reorganizando e ocupando novos territórios no Afeganistão, mais áreas cultiváveis passaram a ser tributadas. Para os produtores, a papoula é rentável, mesmo com os tributos cobrados pelo Talibã.
Desde a ocupação americana, os Estados Unidos investiram US$ 8,6 bilhões no combate ao tráfico de drogas no país. Mas os resultados foram insuficientes para eliminar o plantio arraigado na sociedade afegã. Desde maio de 2002, a superfície cultivável quadruplicou.
Se alguém vende é porque outro alguém compra. O ópio e a heroína afegã têm como destino principal a Europa Central, mas também são adquiridos, em menor grau, na Ásia e na África. Na América, em geral, essa droga não entra a partir do Afeganistão, uma vez que os mercados aqui são dominados por cartéis do México e da Colômbia.
O mesmo relatório da ONU aponta que outros US$ 464 milhões foram embolsados pelo Talibã com a mineração. As reservas em cobre, ouro, ferro, cobalto e lítio são conhecidas e estimadas em US$ 3 trilhões. A composição geológica do país é estudada desde os anos 1960, primeiro pelos soviéticos e, desde 2001, pelos Estados Unidos.
A novidade é o interesse recente pelas chamadas terras raras, conjunto de 15 elementos químicos utilizados em produtos de alta tecnologia. Não à toa, a China tem ocupado o vácuo político diante da retirada das tropas americanas. O país está cada vez mais interessado em estabelecer acordos comerciais com a milícia, que permitirão investimentos em infraestrutura e exploração do rico subsolo afegão.
Antes mesmo de chegar a Cabul, a milícia controlava havia semanas as alfândegas - também não é a toa. É por esses locais que transitam mercadorias.
Outra fonte de recursos são as doações recebidas de uma rede de fundações de caridade não governamentais e de apoiadores, em especial simpatizantes de países do Golfo Pérsico que apoiam a insurgência religiosa do movimento. Essas doações chegam a US$ 200 milhões por ano, segundo o Centro para Estudos do Afeganistão, com sede nos EUA. Também governos, embora neguem, ajudam a financiar o Talibã, segundo documentos de inteligência: os mais citados são Rússia, Irã, Arábia Saudita e Paquistão - esse último, berço da milícia, nos anos 1990.
Há ainda sequestros, cobrança de taxas e pedágios para deslocamento em estradas.
Boa parte das armas e equipamentos que o Talibã tem exibido nas ruas de Cabul também foi capturada das forças afegãs - o que constrange os EUA ao ver seus fuzis nas mãos dos combatentes.
Desde o retorno da milícia ao poder, o governo americano tem buscado impedir o acesso às reservas que o país detém no exterior - cerca de US$ 10 bilhões apenas no Federal Reserve (FED), o banco central dos EUA, segundo publicaram na semana passada The Washington Post e The Wall Street Journal.