Pelo andar da carruagem planetária, a batalha final será entre a inteligência artificial e a ignorância artificial — ambas geradas do casamento entre o homem e a tecnologia. No segundo grupo estão os mísseis teleguiados do senhor Putin, os drones assassinos das grandes potências e outros artefatos letais de maior ou menor calibre que integram o arsenal da estupidez humana. No primeiro estão o GPS, a internet das coisas úteis e o robô que escreve poesias.
Pois não é que criaram uma humanoide artista capaz de imitar alguns comportamentos dos humanos de carne e osso, inclusive a escrita e a formulação de versos. Chama-se Ai-Da, tem aparência de mulher e escreve poemas como Dante Alighieri. Aliás, foi em novembro do ano passado, exatamente para marcar os sete séculos da morte do maior poeta da Idade Média ou, para seus admiradores, de todos os tempos, que a autômata britânica fez uma apresentação pública de seus talentos.
Reproduzo aqui, para avaliação dos leitores menos crédulos, um trecho da poesia robótica: "Nós olhamos sobre nossos versos como cativos de olhos vendados./ Enviamos para procurar a luz, mas ela nunca veio./ Uma agulha e linha seriam necessárias/ para completar a imagem./ Para ver as pobres criaturas, que estão na miséria,/ a de um falcão, olhos fechados com costura".
O criador da criatura versejadora, o britânico Aidan Meller, da cidade de Oxford, assegura que o poema é inspirado na Divina Comédia, livro que o robô devorou do início ao fim para municiar seus algoritmos e fazer a homenagem a Dante.
Acho que terei de pedir ajuda ao grande Armindo Trevisan, especialista na obra do bardo medieval, para saber se realmente tem algum resquício dantesco nessa — para mim — enigmática mensagem.
Ainda assim, me parece louvável que a inteligência artificial seja utilizada para difundir literatura e arte, pois o mais comum é que a tecnologia mais sofisticada esteja preferencialmente a serviço da economia ou — como estamos tristemente constatando nestes tristes tempos — da ganância, da guerra e do poder.
Então, que venham e vençam os robôs poetas. Ou acabaremos todos cativos de olhos vendados.