Sentado no banco da praça, próximo do pai guardador de carros, o menino desenhava num caderno escolar. Interrompi minha caminhada matinal para observá-lo. Língua espiando pela janela dos lábios, fazia do lápis a sua varinha mágica e conferia a cada segundo se os traços sobre o papel correspondiam ao modelo.
— O que estás desenhando? — perguntei, baixinho para não quebrar o encanto.
Nem me olhou. Mas murmurou:
— A igreja.
Sim, havia uma igreja no outro lado da praça. Então, observei que o desenho reproduzia com certa fidelidade, ainda que em linhas rudimentares, a fachada, o formato de circunflexo do telhado, a porta principal encimada por um semicírculo e a torre do sino com um crucifixo no ponto mais alto da cobertura prateada.
A arquitetura do santuário de Santa Rita de Cássia, na zona sul da Capital, é relativamente simples, sem deixar de ser bela.
Lembrei-me, na hora, de uma historinha, que até já contei aqui, da menininha que se debruçava sobre o desenho na sala de aula quando foi inquirida pela professora:
— O que estás desenhando?
— Deus! — respondeu a pequena, sem hesitar.
— Mas ninguém sabe como é o rosto de Deus — argumentou a mulher, com a lógica característica dos adultos.
A menininha não se perturbou:
— Já vão saber!
Enquanto meu pensamento viajava, o menino da praça da igreja terminou o seu desenho e só então resolveu me dar atenção. Observou que eu o observava e também fez a sua observação, igualmente desconcertante:
— Gosto mais de desenhar do que do YouTube.
Puxa! Por essa eu não esperava. Perguntei se ele não ia assinar o seu desenho. Então ele escreveu em letras de forma: Pedro Lucas.
Saí leve do inesperado encontro. Decidi, então, mudar o roteiro da minha caminhada: passei no supermercado mais próximo e comprei um pacote de mandolatos para Pedro Lucas a título de estímulo a um jovem artista. Uma vez li que Michelangelo, nos seus tempos de aprendiz, percorria as igrejas de sua cidade para fazer desenhos.
Funcionou. Quem sabe Santa Rita de Cássia não faz uma pausa na sua árdua tarefa de resolver as tantas causas impossíveis deste país e dá uma mãozinha para o menino desenhista.