Vi o filme Ataque dos Cães, apontado pelos críticos como candidato a Oscar no ano que vem. Tudo o que posso dizer sobre ele — até para não correr o risco de irritar quem ainda não viu — é que não tem briga de cães. Podem ficar tranquilos os defensores dos pets. O título é simbólico, tirado de uma citação bíblica e adaptado ao gosto e à criatividade do tradutor.
Já sobre Homem-Aranha: Sem Volta para Casa tenho mais a dizer, embora não tenha visto o filme. Sei, pelo depoimento de parentes e amigos, que os fãs mais apaixonados choram e batem palmas em cenas mais surpreendentes — o que me leva a concluir que a arte atinge plenamente o seu propósito de divertir e emocionar.
É para isso que vamos ao cinema. Eu, pelo menos, nunca fui a uma dessas casas de espetáculo para xingar ou alvejar alguém. Nem mesmo nos tempos pré-históricos da minha infância, em que adentrava o acanhado Cine Sarandi com pilhas de gibis sob os braços e passava a sessão inteira batendo com os pés no chão quando cowboys perseguiam índios, ou vice-versa. Sinceramente, não me lembro para quem torcia naquelas ocasiões.
Mas posso assegurar que, naquele entrevero das matinés barulhentas, se alguém gritasse em voz alta o que iria acontecer na cena seguinte, dificilmente seria ouvido ou levado a sério.
Hoje, não! Hoje somos muito mais civilizados. Colocamos os celulares no silencioso, enchemos a boca de pipoca e nos concentramos no telão. Até se admite bater palmas para super-heróis, mas ai do pobre mortal que abrir a boca para dar spoiler. Esse anglicanismo, como todos sabemos, vem do verbo spoil, que significa estragar. É usado para definir a revelação antecipada de algum conteúdo que os outros ainda não conhecem. O indivíduo que faz isso é um legítimo estraga-prazeres.
Então, o que se faz com o boquirroto?
Num shopping de São Paulo, uma distinta espectadora não teve dúvidas: spray de pimenta nele. A mulher lançou o gás irritante na direção de três adolescentes que conversavam em voz alta e contaminou a sala inteira, mandando o público literalmente de volta para casa, uma ironia com o próprio título do filme.
Ataque dos Cães, um faroeste sem tiros nem concessões ao simplismo, mostra exatamente como os humanos são seres complexos e pouco tolerantes.