Feira do Livro, um sol de quase dezembro, livros a mancheias. Quem lê tantas notícias, artigos, novelas, crônicas, contos, romances, poesias?
Meu amigo Ayres Cerutti, grande jornalista e prefeito honorífico desta Praça da Alfândega fervilhante de vida, gosta de contar uma historinha ocorrida quando sua filha estava na escola. A professora perguntou aos alunos o que seus pais faziam. A filha de Ayres respondeu de pronto:
— Meu pai coloca ideias no papel.
Era a definição adequada para um tempo em que as plataformas gráficas predominavam no jornalismo. Hoje as ideias — as boas e as ruins — confundem-se no anárquico universo digital. Porém, pelo que se percebe neste movimento festivo em torno dos livros, muita gente ainda prefere colocar suas ideias no papel. Às vezes chego a pensar que já temos mais escritores do que leitores, principalmente quando identifico escribas locais circulando entre as bancas só para conferir se suas obras estão expostas.
Mas há leitores, sim, inclusive para estas crônicas semanais em que registro minhas precárias ideias. Outro dia um desconhecido me abordou num dos corredores da Feira.
— Eu leio suas crônicas! — me disse de supetão. E completou:
— Não gostei da última!
Fiquei meio sem ação. Não vou dizer que me faltaram palavras, pois sempre que alguém usa esse lugar-comum me lembro de outra historinha contada por meu amigo José Antônio Anonymus Gourmet Pinheiro Machado. O aluno do curso de Direito dissertava em aula e, na empolgação, disse que lhe faltavam palavras para descrever determinada emoção. Ao que o experiente professor interrompeu:
— Não lhe faltam palavras. Faltam-lhe ideias.
Como uma ideia puxa outra, busquei no meu repertório de desculpas uma resposta rápida para o leitor contrariado:
— Nem sempre a gente acerta. Espero que o senhor goste da próxima.
O homem pisou no freio. Disse que era meu leitor habitual e que quase sempre apreciava o que escrevo, mas teria discordado de um comentário sobre trânsito. Despedimo-nos amistosamente. Podia ser sempre assim: discordâncias de ideias resolvidas com diálogos, apertos de mão, leitores, escritores, música, cheiro de pipoca e algodão doce. A vida deveria ser uma feira de livros.