Li outro dia reportagem sobre o homem mais solitário do planeta, um indígena primitivo que vive isolado em Rondônia, na Amazônia brasileira, sem contato com qualquer outro ser humano. Segundo os pesquisadores do movimento Survival, que defende o direito das comunidades indígenas de viverem em suas terras do modo como viveram seus antepassados desde o início dos tempos, o homem conhecido como Índio do Buraco é o único remanescente de uma pequena tribo dizimada por pistoleiros e por doenças transmitidas pelos operários que invadiram a selva para construir a rodovia BR-364. Seu apelido advém do costume, identificado pela Funai, de cavar tocas para capturar animais ou para se esconder. Ninguém sabe ao certo que idioma ele fala (se é que fala sozinho) nem o povo a que pertenceu. Mas o sujeito está lá, já foi até fotografado através das palhas de uma precária cabana que construiu em um de seus esconderijos cavernosos.
Curioso, interessante, mas ouso dizer que não é o único brasileiro nessas condições.
As selvas urbanas, com suas multidões hipnotizadas pela tecnologia, também abrigam tipos solitários que já não pertencem a tribo alguma. Eles vagueiam por calçadas e praças, alheios às rotinas dos demais mortais. Alguns constroem tocas imaginárias sob as marquises do abandono, enrolam-se em cobertores sujos e mortalhas de papelão. Outros perambulam sem rumo, como zumbis famintos, às vezes mantendo diálogos incompreensíveis com os fantasmas que lhes fazem companhia. E nem todos ostentam a estampa de desgarrados: há os solitários com lar, família e animal de estimação, mas que, por enigmáticos sortilégios do desencanto, optaram pelo mutismo e desistiram de compartilhar com o próximo suas ideias e sonhos.
Creio que aquele índio arredio tem mais confrades do que poderia suspeitar – inclusive nesta nossa cidade congelada pelo minuano.
Essa Porto Alegre de tantos extraviados me dói e me desconcerta. Devemos tentar contato com eles ou é melhor deixá-los em paz, como recomendam os estudiosos do isolamento? Sobre os habitantes das calçadas e dos viadutos, estou convicto de que não basta expulsá-los de suas tocas para desobstruir o caminho dos que querem ir e vir sem tropeçar na própria consciência. Também não serve simplesmente fechar os olhos e fingir que eles não existem. Tem que haver uma solução intermediária, que contemple a demanda coletiva por uma cidade desimpedida sem desconsiderar o direito à dignidade dos desassistidos.
Porém, em relação àqueles que optam conscientemente pelo voo solo sobre este vale de lágrimas, voto por deixá-los seguir o rumo do próprio coração. Pelo menos no meu turno de gendarme imaginário dessa fronteira da solidão, me comprometo a carimbar o passaporte de todos os que se apresentarem silenciosos ou balbuciando aquele inspirado verso da canção de Jorge Drexler:
– Soledad, aqui están mis credenciales.
Que sigam. Em algum lugar deve haver um céu dos solitários.