Vi o homem tropeçar num raio de sol, juro que vi, mas minha mulher desdenhou quando tentei relatar-lhe o curioso episódio:
– Não tem o que fazer e fica inventando coisas! – retrucou, e continuou examinando, com o auxílio dos dedos, uma montanha de kiwis cabeludos.
Estávamos num supermercado. Eu esperava pacientemente por ela, com os cotovelos espetados no carrinho de compras e aquela indolência referida preconceituosamente pelo general. O sol, tão ausente nos últimos dias desta cidade gelada, entrou pelo teto envidraçado e aboletou-se no meio do corredor. O sujeito vinha apressado, consultando o celular, talvez lendo na telinha luminosa o nome do produto estranho que sua esposa encomendara com urgência. Páprica defumada, vamos supor, pois uma vez minha mulher me pediu essa extravagância. Claro que não encontrei.
Bom, o fato é que o homem vinha em marcha acelerada quando vislumbrou o reflexo luminoso na sua frente. Seu cérebro ocupado deve ter pensado que se tratava de alguma coisa sólida, por isso emitiu o alerta. O sujeito tentou suspender a passada, desequilibrou-se, mas conseguiu retomar o rumo sem derrubar nada. Sorriu amarelo quando passou por mim e seguiu em frente, agora com o celular oculto na concha da mão como se fosse uma coisa proibida.
E já é mesmo, nas escolas da França. Dia desses, o parlamento francês aprovou uma lei que proíbe o uso de celulares nas salas de aula a partir do próximo ano letivo, que começa agora em setembro na terra do Asterix. A nova regra é clara: alunos de séries primárias e secundárias terão que manter desligados seus aparelhos enquanto estiverem nas dependências da escola. Em caso de infração, os professores estão autorizados a confiscar celulares e tablets. Há exceções para crianças com necessidades especiais e também para o uso pedagógico dos telefones, é evidente que sob o controle dos mestres.
Controle talvez seja a palavra-chave neste candente debate. Celulares nas mãos de crianças e adolescentes servem prioritariamente para a troca de mensagens entre eles, para o compartilhamento de vídeos e para a prática de jogos, mas também são o canal de comunicação dos jovens com seus pais. Por aqui, nestes tempos de insegurança permanente, tornaram-se imprescindíveis.
A questão é pra lá de controversa. Como o ensino formal moderniza-se a passos de tartaruga, a tecnologia disparou na frente. Há experiências notáveis de utilização do celular como ferramenta de aprendizagem, mas, em geral, escolas e professores veem com mais simpatia a proibição do que o desafio de encarar a tecladição como oportunidade. Não creio que os franceses estejam dando um bom exemplo – logo eles, que, na histórica revolução dos jovens, diziam que era proibido proibir.
Temo que a garotada encare o veto como provocação. Agora que Prometeu roubou o fogo dos deuses, o castigo é inútil. Nessa caminhada, ainda vamos tropeçar em muito raio de sol até encontrar a páprica defumada.