Nesta terça-feira (2), nova manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva provocou debate sobre o que significa a afirmação de que o governo tem de fazer "alguma coisa" sobre a "especulação" no câmbio, a ser definida em reunião em Brasília na quarta-feira (3).
— Obviamente que me preocupa essa subida do dólar. Há uma especulação, há um jogo de interesse especulativo contra o real nesse país. Não é normal o que está acontecendo — disse o presidente.
Embora Lula não esteja totalmente errado - economistas respeitados já diagnosticaram o ataque especulativo contra o real -, aparentemente ainda não percebeu o quanto ele mesmo alimenta esse movimento com suas declarações, que incentivam a aposta contra o real.
A hipótese de ataque especulativo tem amparo nos dados. Depois de atingir o que era um recorde, de US$ 79 bilhões pouco antes do final de julho, as posições contra o real já quebraram essa marca e alcançaram US$ 81,9 bilhões. O que mudou substancialmente no Brasil entre os dois valores foram rações diárias de declarações presidenciais.
O lado racional dessa queda de braço, que fica com menor visibilidade diante das declarações presidenciais polêmicas, já tratou de diagnosticar a turbulência cambial. O atual diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou que o dólar se valoriza ante várias outras moedas, e mais frente ao real, entre outros motivos, porque o Brasil é um mercado mais líquido. Isso significa que é mais fácil para os investidores e especuladores converter suas apostas aqui do que em outros países.
Então, existe uma justificativa racional para a movimentação cambial, assim como certa exasperação com o governo Lula. Ao elevar o estresse sugerindo mudanças na atuação e até nas regras de funcionamento do BC, Lula dá mais combustível à especulação. O dólar, que abriu com pequena baixa já inverteu o sinal e opera com leve alta de 0,12%, para R$ 5,66.
— Não posso falar aqui o que é possível fazer, porque, senão eu estaria alertando os meus adversários — acrescentou Lula nesta segunda-feira (2), servindo um prato perfeito para especulador ao dizer que algo vai mudar sem dar pistas sequer de em que área.
Em menos de 30 dias, a moeda americana já saltou quatro barreiras psicológicas - de R$ 5,30, R$ 5,40, R$ 5,50 e R$ 5,60, o que não é usual. Nem todas foram abastecidas por declarações presidenciais, mas ao menos a partir da marca de R$ 5,40, houve combustível de saliva presidencial. Naquele momento, Lula prometera a um líder empresarial a retirada da medida provisória que restringia uso de créditos tributários antes de combinar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Na segunda-feira (1º), quando o dólar escalou o patamar de R$ 5,60, Haddad havia afirmado que falta visibilidade para os bons resultados da política econômica, antecipando que o resultado da arrecadação de junho ficou "acima do previsto pela Receita Federal".
Se já não tinha, terá menos depois da manifestação diária de Lula. Agora, o mercado está dominado por especulações também sobre o que é "alguma coisa". Inclusive porque o presidente do BC, Roberto Campos Neto, já afirmou que não há intenção de intervir no mercado com injeções do vasto estoque de reservas em dólar.
Agora, as apostas vão de contingenciamento do orçamento a manobras menos ortodoxas. O real perdeu um pouco mais, Lula não ganhou nada, o mercado faz ainda mais negócios.
Os fatores de pressão no mercado
Falta de perspectiva do início de cortes de juro nos EUA: a taxa alta lá e mais baixa aqui diminui a atratividade de investimentos no mercado financeiro no Brasil, e investidores resgatam aplicações aqui para migrar para mercados mais lucrativos.
Ajuste fiscal: a decisão do governo Lula de reduzir o déficit primário (despesas maiores que receitas antes do pagamento da dívida) só com aumento de arrecadação, sem corte de gastos, é considerada frágil e difícil de manter ao longo dos quatro anos de mandato. A recente ajuda ao Rio Grande do Sul, que eleva os gastos, contribui com essa percepção. Sinalizações de cortes de gastos nos últimos dias chegaram a proporcionar algum alívio, mas não duradouro.
Conflitos e eleições pelo mundo: conflitos entre Rússia e Ucrânia e entre Israel e Hammas elevam incertezas, assim como as eleições para o Parlamento Europeu, que geraram antecipação de pleitos em vários países, inclusive na França, "sócio-fundador" da União Europeia, com risco potencial para a existência do bloco.