Em poucos dias, o dólar quebrou duas barreiras psicológicas. Na sexta-feira (7), passou de R$ 5,30. Nesta quarta-feira (12), chegou a R$ 5,424 por volta das 11h, retornou ao patamar anterior durante a tarde, e perto do fechamento voltou a acelerar, fechando em alta de 0,86%, para R$ 5,407.
Na longa lista de fatores de pressão sobre o câmbio, que vai da demora no início do corte de juro nos Estados Unidos à preocupação com os gastos da União, incluindo a ajuda ao Rio Grande do Sul, um se reforçou nos últimos dias: o estado da relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Havia especulações ao menos desde o final da semana passada, que se fortaleceram com a devolução, pelo Senado, de parte da medida provisória que restringia uso de benefícios fiscais por empresas. A iniciativa era uma tentativa de Haddad de recompor a receita perdida com a manutenção da desoneração da folha.
Na terça-feira (11), o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, saiu de audiência com Lula dizendo que ouvira a promessa de retirar a MP. A equipe da Fazenda não havia sido informada desse plano.
A decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pode ter poupado Haddad de uma situação mais constrangedora, mas episódios como esse são combustível de especulação. O clima lembra muito um momento delicado entre o presidente e o ministro em que se discutia a manutenção da meta de déficit zero neste ano.
Pessoas próximas de Haddad dizem que a relação é inoxidável o suficiente para resistir à acidez do momento. Nesta quarta-feira (12), em encontro internacional de líderes e executivos, Lula disse que não conseguia discutir economia sem "colocar a questão social na ordem do dia". E acrescentou:
— O mercado não é uma entidade abstrata, apartada da política e da sociedade.
Embora essas observações não embutam ameaça fiscal, para analistas reforçam a falta de compromisso de Lula com o ajuste. E lembram que o presidente não é visto como "algoz" de Haddad, papel que cabe à ala mais radical do partido, que inclui a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o chefe da Casa Civil, Rui Costa. O presidente, logo depois, em discurso lido:
— Estamos arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para assegurar equilíbrio fiscal.
Mais do que um pronunciamento protocolar, a frase foi interpretada como um sinal de apoio a Haddad, o que chegou a moderar a alta do dólar. Mesmo assim, derrubou mais uma barreira.
Os fatores de pressão cambial
Falta de perspectiva do início de cortes de juro nos EUA: a taxa alta lá e mais baixa aqui diminui a atratividade de investimentos no mercado financeiro no Brasil, e investidores resgatam aplicações aqui para migrar para mercados mais lucrativos. Em maio, saíram da chamada "conta financeira" US$ 11,434 bilhões, recorde para o mês de maio desde 1982.
Ajuste fiscal: a decisão do governo Lula de reduzir o déficit primário (despesas maiores que receitas antes do pagamento da dívida) só com aumento de arrecadação, sem corte de gastos, é considerada frágil e difícil de manter ao longo dos quatro anos de mandato. A recente ajuda ao Rio Grande do Sul, que eleva os gastos, contribui com essa percepção.
Eleições na Europa: embora fosse esperado o crescimento das bancadas que questionam a União Europeia, a expressiva votação da extrema direita na França fez o presidente Emmanuel Macron convocar eleições em seu país, o que eleva a incerteza na economia.