Como previsto, o governo de Javier Milei vai recorrer contra a decisão do tribunal que suspendeu os efeitos de 45 artigos de seu Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) - do 57 ao 93 - e voltou a fazer o mesmo nesta quinta-feira (4), em ação de outra central sindical.
As primeiras decisões judiciais começam a abrir previsíveis buracos no conjunto que atropela os ritos democráticos da divisão de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário e, se não fosse pouco, ainda expõem um ex-nazista no governo.
A argumentação do recurso deixa claro o risco de o DNU virar peneira: o pedido do procurador-geral do Tesouro, Rodolfo Barra, é para que o tema não seja definido pela Cámara Nacional de Apelaciones del Trabajo - espécie de Tribunal Superior do Trabalho (TST) da Argentina - mas pela Cámara en Lo Contencioso Administrativo Federal - algo semelhante ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) no país.
Barra alega que uma dúzia de outros questionamentos judiciais ao DNU já tramitam nessa instância. Qualquer assessor jurídico no início de carreira poderia prever reação judicial ao decreto que alega "urgência e necessidade" para ampliar o contrato de experiência de três para oito meses e permitir redução da licença-maternidade a 10 dias. Por isso, a necessidade de atuação de alta visibilidade expõe a escolha de Milei para a Procuradoria-Geral do Tesouro.
A indicação de Barra havia provocado escândalo na Argentina porque o ex-juiz integrou um grupo neonazista na juventude, chamado Movimento Nacionalista Tacuara e chegou a atacar uma sinagoga. Não é uma descoberta recente: em 1996, quando foi revelada, Barra foi obrigado a renunciar ao cargo de ministro da Justiça na gestão de Carlos Menem (1989-1999). Na época, foram divulgadas fotografias em que o ex-juiz faz a saudação nazista, e ele havia formulado um malabarismo verbal:
— Se fui nazista, me arrependo.
Milei tinha, portanto, pleno conhecimento do episódio, e manteve a indicação mesmo ante reações como a do Fórum Argentino Contra o Antissemitismo, que a considerou "uma afronta direta ao espírito democrático e plural" a participação no governo de "indivíduos que professem antissemitismo ou qualquer forma de expressão de ódio".
Como se sabe, o novo presidente da Argentina não nasceu judeu, mas está em processo de conversão. E o país tem uma grande comunidade de origem judaica, assim como profundos traumas com antissemitismo: em março de 1992, a Embaixada de Israel foi destruída pela explosão de um carro-bomba e 22 pessoas morreram. Dois anos depois, ocorreu o pior atentado terrorista da história do país, em que outro carro-bomba contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) matou 85 pessoas.