Do novo presidente da Argentina, Javier Milei, esperava-se mesmo medidas drásticas. Na economia, porque o tamanho da crise em que o país está mergulhado há anos exige. Na política, porque representa uma corrente que nunca esteve no poder.
Mas nem aliados de Milei esperavam por uma das vertentes da sua "ley ómnibus", apresentada na quarta-feira (27): o líder do partido La Libertad Avanza propõe o que está sendo chamado de um "virtual estado de sítio" em dois artigos do projeto que tem ao todo 664.
O artigo 333 determina que "toda reunião ou manifestação deverá ser notificada de forma fidedigna ao Ministério de Segurança com antecipação de não inferior a quarenta e oito (48) horas". E o texto do 331 estabelece que "reunião" ou "manifestação" significa "a congregação intencional e temporal de três (3) o mais pessoas em espaço público".
Ainda considera crime mobilizações que "impeçam ou dificultem o funcionamento dos transportes terrestres, aquáticos ou aéreos ou dos serviços públicos de comunicações e fornecimento de água ou eletricidade", com prisão de um a três anos e meio.
Formalmente, o projeto é chamado de Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos e tem 183 páginas. Apresentado na tarde da quarta-feira (27), estabelece "emergência pública em questões econômicas, financeiras, fiscais, previdenciárias, de segurança, de defesa, tarifárias, energéticas, de saúde, administrativas e sociais até 31 de dezembro de 2025", com possibilidade de prorrogação por mais dois anos. Na visão do jornal especializado economia Ambito Financiero, dá "superpoderes" a Milei se for aprovado.
Pelas primeiras reações, não será, ao menos não integralmente. A regra vista como um "virtual estado de sítio" não deve prosperar, embora a exaustão dos argentinos com protestos diários deva ajudar a apertar as regras para evitar bloqueios de ruas e rodovias que atrapalham a vida dos cidadãos. Eram diárias há até quatro anos, seguidas de longa trégua no governo de Alberto Fernández, o que ajudou a desgastar a imagem dos manifestantes.
É possível, ainda, que Milei não obtenha aprovação para privatizar as 41 estatais listadas no projeto, entre as quais Aerolineas Argentinas - que poderia ser transferida aos empregados -, Banco de la Nación - uma espécie de Banco do Brasil dos hermanos - e a petroleira YPF, que já foi privatizada e reestatizada. Mas, outra vez, dada a situação das contas públicas do país, muitas devem ser aprovadas.
Há tantas medidas nas 183 páginas da proposta que a análise das consequências ainda desafia analistas na Argentina e no Brasil. Mas algumas "pérolas" sugerem que a "lei ônibus" foi enviada com espaço para negociação, o que nesse caso significa desbaste de excessos. O artigo 52, por exemplo, determina que os juízes vistam toga preta e usem martelo para abrir e fechar sessões. A interferência cosmética no Poder Judiciário vem embalada em um pacote de "liberdades".