O novo presidente da Argentina, Javier Milei, entregou na quarta-feira (27) um conjunto de medidas ao Congresso. O projeto, denominado Lei de Bases e Pontos para Liberdade dos Argentinos ou "Lei Ônibus", conta com 664 artigos distribuídos por 351 páginas propõe estado de emergência até 2025 e mudanças nas legislações eleitoral, penal, além de permitir a privatização das empresas públicas, entre outras medidas. Esse projeto se soma às mais de 300 medidas enviadas ao Congresso por Milei pouco antes do Natal por meio de um decreto.
"Promovemos essas reformas em nome da Revolução de Maio de 1810 e em defesa da vida, da liberdade e da propriedade dos argentinos", escreveu Milei em sua conta no X, antigo Twitter, ao anunciar o projeto de lei.
O estado de emergência vale para "temas econômicos, financeiros, fiscais, de seguridade social, segurança, defesa, tarifas, energia, saúde, administrativos e sociais até 31 de dezembro de 2025", podendo ser prorrogado por até dois anos. Na prática, o documento, se aprovado pelo Congresso, permitiria a Milei ter funções legislativas nas matérias que pontua.
O partido de Milei, A Liberdade Avança, é minoritário no Congresso e ainda não avançou na costura de alianças. O partido libertário tem 40 dos 257 deputados e 7 de 72 senadores, enquanto a oposição tem a chamada primeira minoria em ambas as Casas.
Dentre as medidas previstas, estão privatizações de estatais, o fim das eleições primárias, a adoção do voto distrital para eleição de deputados e mais restrições a protestos (veja abaixo). O governo já havia anunciado, na semana passada, medidas para conter as manifestações contra as primeiras decisões de Milei.
O anúncio desta quarta-feira aconteceu em meio a um novo ato em Buenos Aires. Convocada por centrais sindicais, a manifestação ocorreu em frente à sede do Poder Judiciário.
Aos gritos de "a pátria não se vende" e agitando bandeiras argentinas, os manifestantes apoiaram uma ação coletiva ajuizada contra o megadecreto de Milei, que limita o direito de greve, reduz benefícios nos casos de demissão sem justa causa e revoga regulações sobre diversos segmentos, como planos de saúde e aluguel, entre outros.
— Todas as medidas me afetam, vão nos matar de fome — disse Sofía Julián, uma funcionária de 33 anos que veio à marcha da periferia sul de Buenos Aires. — Estamos unidos e organizados e vamos continuar lutando para nos opor às decisões que este governo tomar contra o povo argentino — acrescentou.
Medidas do novo pacote
Privatizações
Prevê a privatização de 41 empresas públicas, incluindo a Aerolíneas Argentinas, o Banco de la Nación e a petrolífera YPF. As vendas de estatais já haviam sido incluídas no "megadecreto".
Reforma política
Entre outros, estabelece o fim das Paso (eleições primárias) e a adoção do voto distrital para eleição de deputados em substituição ao modelo atual de lista de candidatos.
Manifestações
Aumenta a pena por participar de um piquete para até 3 anos e 6 meses de prisão e até 4 anos se houver danos. Para os líderes de piquetes que forçarem terceiros a participar sob a ameaça de lhes retirarem os subsídios, a pena pode ser de até seis anos. A lei também estabelece que as manifestações devem ser notificadas "ao Ministério de Segurança da Nação com pelo menos 48 horas de antecedência" e agrava as penalidades para o crime de resistência à autoridade e amplia a figura da legítima defesa.
Educação
Também estabelece um exame obrigatório para todos os alunos que concluem o ensino médio. Seria algo semelhante ao Enem no Brasil.
Consulta popular
Na noite de terça-feira (26), Milei afirmou que pode convocar um plebiscito caso o Congresso rejeite o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que ficou conhecido como "megadecreto".
— Quero que me expliquem por que o Congresso se coloca contrário a algo que faz bem para as pessoas. As pessoas já entenderam bem, o megadecreto tem mais de 70% de aprovação — afirmou.
A imprensa argentina, porém, vem mostrando questionamentos sobre a viabilidade de uma consulta pública nesses moldes. A primeira dúvida é de ordem constitucional, já que o presidente não poderia submeter a votação popular um pacote com mais de cem medidas.
A segunda é de ordem prática, já que só o Congresso pode convocar plebiscitos de caráter vinculante, ou seja, que viram lei automaticamente. No caso de plebiscito proposto pelo presidente, mesmo que seja aprovado, o texto ainda precisaria passar pelos legisladores para virar lei.
Esta semana, o governo também anunciou que vai dispensar até 7 mil servidores públicos, cujos contratos temporários vencem no dia 31 e não serão renovados. O Executivo, que já determinou o fim do regime de trabalho em home office, também estuda congelamento salarial e até redução nos vencimentos do funcionalismo.
Análise do Congresso
A Constituição diz que o chefe de gabinete, pessoalmente, deve encaminhar a medida à Comissão Bicameral Permanente em até 10 dias. Em seguida, a comissão tem mais 10 dias para encaminhar sua decisão ao plenário da Câmara e do Senado, que devem votar o texto imediatamente. Esses prazos, porém, raramente são cumpridos. Enquanto o decreto não for apreciado, ele estará em vigor, considerando o prazo inicial de oito dias da sua publicação.
O que acontece se a comissão não emitir um parecer?
O trâmite continua. Quando expirado o prazo de 10 dias, a Câmara dos Deputados e o Senado se dedicarão, um de cada vez, ao tratamento imediato do decreto.
O Senado e a Câmara podem fazer mudanças no decreto?
Não, só podem aceitá-lo integralmente ou rejeitá-lo. As duas casas não podem introduzir emendas, acréscimos ou supressões no texto do Poder Executivo.
O que acontece se uma Casa aceitar o decreto e a outra rejeitar?
Nesse caso, o decreto mantém sua validade. Ambas devem rejeitar o decreto para que ele se torne inválido.
Quem pode impugnar o decreto na Justiça e qual é a via?
Qualquer pessoa que considere que o decreto afeta seus direitos individuais ou coletivos (um inquilino, por exemplo, ou um sindicato) pode se apresentar na Justiça para pedir que o texto seja declarado inválido. O foro que revisa a validade de leis, decretos e atos administrativos de autoridades nacionais é o Contencioso Administrativo Federal. Mas questionamentos também podem ser apresentados no foro específico da matéria cujas regulamentações são questionadas.
A Suprema Corte pode intervir?
Não é possível apresentar o caso diretamente à Suprema Corte.
País terá notas de 20 mil e 50 mil pesos
Em entrevista à LN+, Milei confirmou que o Banco Central da República Argentina (BCRA) está preparando a emissão de notas de 50 mil e 20 mil pesos argentinos diante da alta inflação. Atualmente, o maior valor em circulação no país é de 2 mil pesos.
— Imagine que você tem que fazer um pagamento em dinheiro, tem que andar por aí com um maço de papéis, colocam uma etiqueta na sua testa que diz "roube aqui, roube aqui". É óbvio que você está carregando dinheiro — afirmou Milei.
Segundo o presidente, a ausência de cédulas maiores "dificulta as transações e traz muitos custos". Ele ainda atribuiu as atuais dificuldades aos governos anteriores.
— Entendo que os kirchneristas usaram este truque para tentar abrandar a circulação do dinheiro, mas nós, como parte do nosso programa fiscal, monetário e cambial, fechamos a torneira monetária — acrescentou.