É, caríssimos, o Natal está chegando de novo. Todo ano é isso. Ele vem silencioso, mas ligeiro, com cheirinho de coisas findas misturado com especiarias, sob trilhas sonoras clichês, adornado de brilhos e cobranças: então, é Natal, e o que você fez?
Eu respondo primeiro. Fiz o que pude, fiz o que deu, fiz o meu melhor com as ferramentas que tinha em mãos. Não fiz tudo o que queria, mas entreguei muito. Dei uma volta imensa ao redor do alheio mundo e, por fim, voltei a mim. Como demorei a repousar em meu próprio colo, depois de tantos anos buscando colo nos outros.
Sabe, esse texto poderia acabar aqui. Sim, meu presente de Natal, deste e dos passados, foi ter me encontrado na minha bagunça e na bagunça de quem passou pela minha vida e deixou tanta tralha.
Mas não. Há sempre mais a dizer, especialmente quando o silêncio parece tentador. Redescobrir-se é uma estrada sem placas que indicam se você está perto ou longe do destino, e é no silêncio sepulcral dentro da gente que ela se constrói.
E, nessa estrada, fui a lugares que não imaginava, percorri caminhos longos – literal e figurativamente. Me apaixonei várias vezes pela mesma pessoa, vi minha filha aprender a escrever, fazer contas de cabeça com uma expertise matemática que não foi herdada de mim.
Me decepcionei tão profundamente com gente que amava que poderia chorar um mar inteiro, mas não choro, sou dada aos seguires da vida e não aos lamentares. É como se diz: somos o que conseguimos carregar após os naufrágios, não o que deixamos à deriva.
Plantei minhas plantas, tenho plantado futuros para mim e para os que virão. Não sei se ascenderei na proporção exata dos meus desejos, mas há algo tão belo em colocar sementes na terra – uma entrega completa, quase um voto de confiança. Faço isso em meio aos meus medos, aos meus traumas, às minhas histórias que não contei e talvez nunca conte, e, sobretudo, à minha vontade de esperança.
Eu tô bem, vou ficar melhor. Meu melhor presente de Natal é estar viva, vivendo, crendo. Sim, crendo, mesmo que por vezes eu questionei no quê. E é assim que percebo: o presente não é apenas aquilo que nos chega de fora, em embrulhos enfeitados. É o que encontramos dentro, no fim das noites mais escuras, na pausa entre uma dúvida e outra.
Entre as luzes piscantes que decoram as ruas e os risos disfarçados nos encontros de fim de ano, escolho o meu colo. Escolho aquele espaço onde posso ser, ainda que imperfeita, inteira. Não há presente mais valioso do que o que damos a nós mesmos: o cuidado de existir, mesmo quando o mundo diz que o melhor seria ceder.
Este é o presente que pedi. Não um objeto ou um gesto grandioso, mas um reconhecimento silencioso e potente de que, depois de tudo, eu ainda estou aqui. E você? O que fez, o que pediu, o que espera? Talvez seja hora de parar de esperar e perceber que, assim como eu, você já tem tudo o que precisa para seguir em frente.