Seus braços finos e pequenos se entrelaçam ao meu pescoço fatigado. Pescoço fatigado de dias longos demais, com funções demais. Presente e futuro em profusão se confundem, cansam o pescoço que é extensão das costas que têm carregado o mundo. No primeiro momento, quero fugir do abraço, minha exaustão quer protagonismo, mas fico ali, estática, aceitando o carinho — sei que preciso. De repente, do nada, me sinto mais viva, mesmo exausta.
Não tenho muito a entregar a ela, mas a olho dentro de seus olhos, profundos como o mar abissal, e me parece que é nosso primeiro encontro, me deixo estar ali um pouco mais. Vejo que pra ela nosso encontro ainda é novidade, mas já se vão quase sete anos. Sete anos e tanta intimidade e ela ainda me ama. Como pode? Tanta dor e confusão a fiz assistir em mim. Com tudo o dito, ela, de boca banguela, todo dia sorri pra mim.
Não tenho resposta para meus questionamentos, mas perco os pensares quando ela me afaga o cabelo como se a filha fosse eu. Eu nunca nem me amei durante sete anos consecutivos, como ela consegue tanto e por tanto tempo?
Tenho afazeres infinitos, traumas incuráveis, carências absurdas, descontentamentos cotidianos e frustrações mil. Como é possível amar alguém com esses predicados? Mas ela me ama. Me ama há quase sete anos. Me ama na intensidade da nossa primeira semana juntas, quando eu era sua cama, seu almoço e seu jantar, seu máximo conforto e sua religião.
Hoje ela já vê um pouco mais de universo para além de mim e vê, também, o mundo-real-feio ao qual pertenço. Ela releva tudo e me acha legal. Ela gosta de como nós nos parecemos fisicamente e como eu, sendo uma mãe-comum, sei escrever e ler palavras difíceis, fazer maquiagem de monstro e dar estrelinha. Ela gosta de como eu me desmancho fácil em afeto e cozinho os legumes sempre ao ponto — exatamente como ela gosta e quase todo dia pede para que eu abra um restaurante.
Eu olho pra ela hoje, assim como a vi pela primeira vez — ainda me emociono. Pilar é a divindade que existe em mim, sou eu apesar de ser eu. A chamo de deusa, pois ela é, pra mim, criação perfeita, manifestação do céu na terra. Ela é o próprio Deus a dormir no meu colo, no sétimo dia de extrema produção, querendo ele não ter trabalhado tanto nem se rendido à escala 6x1.
Minha filha é uma criança qualquer, assim como eu sou uma mulher qualquer. Nem ela, nem eu, somos mais que carne sobre ossos, sentimentos confusos e imensos braços finos, mas somos feitas da mesma matéria: afeto descomunal, pouca paciência e sono demais pela manhã.
E, se a valorizo e a ascendo, é porque sei que se há Deus ele nos habita num profundo intocável, num inalcançável lugar, onde as dores nunca nos atingem e há pouquíssima luz para os traumas crescerem e escutamos Nina Simone pra seguir crendo que todo dia é dia de vitória.