A vida sempre foi faca amolada: corta, perfura, exige. Até ontem, meus dias eram um longo arremedo de resistência. Era luta, suor, esforço sem pausa. Capricorniana de carteirinha, nunca faltou bravura para encarar o que viesse. Sempre de peito aberto, como quem acredita que o mundo se conquista na unha. Mas confesso: cansei de apenas guerrear.
Ultimamente, tenho me pegado em outras práticas. Leio mais, respiro mais, penso mais. Dias atrás, abri de novo um livro de Alberto Caeiro. Esse que é um entre tantos disfarces do meu poeta preferido, Fernando Pessoa. Lá estava a frase que me deu um chacoalhão: “Outras vezes ouço passar o vento, e acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.” Foi como se algo se rompesse por dentro. Uma vontade louca de mudar. E mudei.
Comecei a perceber a vida por outro ângulo. Descobri que ela não é só sobre conquistar — algo que, para mim, já é quase automático. É também sobre apreciar. E apreciar, para quem sempre esteve na linha de frente, é um aprendizado tão desafiador quanto qualquer guerra.
Sempre ouvi que quem nasce com Saturno no bolso chega ao mundo com alma de velho, mas morre buscando juventude. É exatamente assim que me sinto. Essa sede por tudo, esse desejo por uma alegria que ainda não experimentei por completo. Tenho sido uma espécie de arqueóloga de mim mesma: desenterrando sonhos, reconhecendo cicatrizes, abraçando quem sou e quem quero ser.
Aprender a se reconhecer é dolorido, mas também libertador. Tenho orgulho da mulher que estou me tornando — essa que agora consegue ver beleza onde antes só havia cansaço. Enxergar graça nas miudezas, como o vento passando, não é pouca coisa. É arte. É um tipo de salvação.
Carrego comigo o peso do que já enfrentei. Foram tantas batalhas que perdi a conta, mas de alguma forma continuei de pé, sorriso largo, olhos que ainda brilham. E agora a vida me pede para ser leve. Não sei ao certo se isso me cabe, mas aceito o desafio. Aceito ser, ao mesmo tempo, furacão e brisa.
Hoje, percebo que não preciso enfrentar a vida a todo instante. Nem carregar tudo sozinha. O que importa é encontrar um ponto onde a história que construo faz sentido para mim. Entre uma batalha e outra, descobrir que há um lugar para apenas existir é uma dádiva.
Tenho aprendido a valorizar os pequenos suspiros sem dor. Um vinho bom, uma tarde regando plantas, uma risada gostosa com minha filha. Ou, simplesmente, fechar os olhos e sentir o vento. É pouco, mas é tudo. Depois de tanto tempo sendo resistência, percebo que a vida também pode ser pausa.
E, de olhos mais limpos, quero viver mais. Quero tudo o que o tempo ainda puder me oferecer. Quero encontrar, em cada instante, uma nova razão para acreditar que estar aqui vale a pena. E que, no fundo, a vida nunca precisou ser só batalha. A vida também pode ser poesia.