Diante dos sinais de que o Congresso poderá barrar seu "pacotaço" que desregulamenta de forma massiva a economia argentina, o presidente Javier Milei dobrou a aposta. Em entrevista ao LN+, plataforma de vídeos do jornal La Nacion, na noite de terça-feira (26), disse que pode convocar um plebiscito sobre o projeto que revoga mais de 300 leis e normativas que regem mercado de trabalho, planos de saúde, aluguéis e privatização de estatais.
Milei tenta, assim, driblar o parlamento, no qual Decretos de Necessidade de Urgência (DNU), o instrumento utilizado para o tratamento de choque, só são derrubados com a rejeição das duas Casas. No Senado, ele tem situação mais favorável: dos 72 senadores, estima-se que 36 votam com o governo. Na Câmara, acredita-se que, dos 257 deputados, 78 apoiem o governo, 107 sejam de oposição e 72, independentes.
O presidente corre contra o tempo. Precisa aprovar o pacote enquanto tem popularidade. A despeito dos panelaços que voltam a ecoar na noite portenha, Milei dispõe do capital político conformado pelos 6,4 milhões de votos que o elegeram. Precisa também passar o pacote antes do novo ciclo eleitoral. Os argentinos elegem metade dos deputados e um terço dos senadores a cada dois anos.
O problema é que, salvo se tirar da cartola alguma medida esdrúxula - à margem da Constituição -, o plebiscito, na melhor das hipóteses, o deixaria exatamente no mesmo lugar. Pela Carta Magna, o resultado de consultas populares convocadas pelo Executivo não é vinculante, ou seja, não se torna automaticamente lei. No caso de serem aprovado pela população, os decretos teriam, mesmo assim, de ser apreciados pelo Congresso.
Está claro que o objetivo de Milei, ao dobrar a aposta, é surfar na enorme massa de votos que o conduziu à Casa Rosada para pressionar os parlamentares, a quem voltou a chamar de corruptos. Além de correr o risco de sofrer um rotundo "não" das ruas ao insistir no plebiscito, Milei adota um rumo perigoso que põe em risco a institucionalidade. Na América Latina, sabemos o destino de presidentes que vivem às turras com os parlamentos. As histórias recentes de Brasil, Paraguai, Equador e Peru ensinam.