A quarta-feira (20) foi um dia de muitos "primeiros atos" na Argentina. Foi o primeiro protesto nas ruas de Buenos Aires sob o império da lei de Javier Milei, que havia proibido fechar as vias, ameaçando utilizar a truculenta polícia do país contra os manifestantes. Foi também o primeiro pronunciamento do novo presidente em rede nacional. E, ato contínuo, os primeiros "cacerolazos" da Era Milei ecoaram na noite portenha.
O presidente ultraliberal imita Carlos Menem, de quem é admirador, em forma e conteúdo: o anúncio do "decretaço" teve direito ao chefe de Estado sentado ao centro da mesa na Casa Rosada, com os ministros perfilados, como fazia o ex-presidente nos anos 1990 para dar solenidade a suas decisões. Como Milei, Menem implementou medidas de choque econômico para conter a hiperinfilação e vendeu ativos estratégicos para reduzir o tamanho do Estado. As ações demoraram dois anos para dar certo e, ao final de sua década no poder, vários setores econômicos ficaram aos frangalhos.
Mesmo para um país acostumado a pacotes econômicos, o tratamento de choque de Milei surpreende pela amplitude: no anúncio na TV, ele citou 30 iniciativas, mas disse ter assinado mais de 300. Fazendo-se valer do Decreto de Necessidade e Urgência, que permite ao presidente, em casos excepcionais, governar com canetaços em vez de encaminhar projetos de lei ao parlamento, Milei tocou em diferentes setores, eliminando travas a preços, exportações e aluguéis, por exemplo. Também prepara estatais-símbolo do país, como a Aerolíneas Argentinas e a YPF, para a privatização.
Foi o segundo pacote em duas semanas - no anterior, ele havia desvalorizado o peso, congelado obras públicas e reduzido subsídios e repasses federais às províncias.
Aos poucos, Milei mostra sua cara. Antes do anúncio das medidas, fez uma longa introdução, dizendo que o Estado e os políticos são a causa dos problemas da nação, demonstrando que o estilo da campanha não sairá totalmente da persona presidente que costumava demonizar a casta política da qual, agora, ele é parte. Mas também fica cada vez mais clara a influência dos homens e mulheres do governo Mauricio Macri em seu círculo de poder: a estratégia de contenção dos protestos, por exemplo, foi liderada pela ministra da Segurança e ex-candidata presidencial Patricia Bullrich, que ocupou a pasta na presidência de Macri. E o artífice das medidas de desregulamentação, o economista Federico Sturzeneger, ex-presidente do Banco Central no governo Macri, aparecia, na mesa, à direita de Milei. Os dois, Sturzeneger e Bullrich, dão um caráter de racionalidade ao imprevisível Milei.
Na campanha, Milei avisou que iria empreender medidas duras. Eleito com mais de 55% dos votos, tem ampla legitimidade para implementá-las. Está cumprindo o que prometeu. Ninguém pode acusá-lo de estelionato eleitoral.