Desde que o economista Javier Milei despontou como favorito nas eleições para a presidência da Argentina, após as primárias de domingo (15), termos como anarcocapitalista, liberal radical e extrema direita voltaram a figurar em textos que buscam compreender as posições políticas e econômicas do ex-deputado e candidato à Casa Rosada.
Hoje, os movimentos de extrema direita estão muito associados à alt-righ americana, a chamada "Direita Alternativa", de Steve Bannon, o ex-mentor intelectual de Donald Trump, e grupos políticos como Vox, na Espanha, e personalidades como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, e o ex-presidente Jair Bolsonaro, no Brasil. Esses políticos defendem uma ideologia muito relacionada ao nacionalismo, à defesa da soberania nacional, com uma tradição calcada na história e nos mitos fundadores de seus países. Também compartilham certa rejeição à globalização, às instituições internacionais, como as Nações Unidas e os arranjos multilaterais, como os pactos contra mudanças climáticas, e tendências de cooperação econômica. Em geral, esses políticos, que se postulam como "outsiders" (de fora da política tradicional), embora alguns tenham construído longevas carreiras políticas, veem essas iniciativas como uma tentativa das elites, supostamente impregnadas pelo marxismo, de dominarem os meios culturais.
Apesar de adotarem uma postura econômica liberal (ou seja, em defesa de um Estado menor), eles têm no Estado um ente importante na condução de vida da coletividade. Do ponto de vista comportamental, em geral são conservadores (defendem a preservação da vida desde a concepção, o que os faz serem contrários ao aborto), mas podem se aliar a diferentes setores, como grupos religiosos, forças armadas e de segurança.
No caso de Milei, por exemplo, chama atenção que, do ponto de vista dos costumes, ele não se diz religioso – considera o tarô como prática –, nem alia-se ao nacionalismo nem às forças armadas argentinas. É contrário ao aborto, mas se diz favorável ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Suas posições são essencialmente econômicas: e aí diferem-se bastante dos liberais ortodoxos, que defendem o Estado mínimo, mas não sua abolição.
Milei, nesse sentido, radicaliza a ideia. Por isso, muitos o chamam de liberal radical.
Ele próprio se autointitula anarcocapitalista ou liberal libertário. O libertarianismo, que no passado estava associado ao anarquismo, é uma corrente política que remonta ao individualismo do século 17. Quem segue essa ideologia - nos EUA inclusive há um Partido Libertário - defende o indivíduo como ente (único) capaz de influenciar o sistema econômico. Ou seja, o indivíduo é soberano. Logo, a sociedade tende a se autorregular por meio da participação do livre mercado. Não seria necessário mais a existência do Estado, e o dinheiro e as moedas correntes seriam fornecidas de forma privada e competitiva num mercado aberto, através de um sistema bancário livre.
No caso de Milei, ele não explica exatamente como aplicaria, na prática, suas ideias - o que viria, por exemplo, no lugar da abolição do banco central argentino, uma de suas promessas. E, mesmo que, na origem, o libertarianismo defenda o fim do Estado, no caso do político argentino, ele pleiteia um ente diminuto, preocupado apenas com a segurança e a Justiça.
Em sentido mais recente, o termo anarcocapitalista é creditado a Murray Rothbard, expoente da Escola Austríaca de Economia e discípulo de personalidades como o também economista Ludwig von Mises. No século 20, Rothbard buscou revitalizar os princípios liberais anteriores ao liberalismo clássico de Adam Smith. Em sua visão, serviços que são oferecidos pelo Estado e considerados "públicos", como justiça, segurança, educação e saúde, seriam privatizados e teriam sua qualidade e preço acessível assegurados pela livre concorrência. O termo também é conhecido como anarquismo capitalista, capitalismo libertário ou simplesmente "Ancap". Essa filosofia nunca foi transformada em experiência prática, portanto, permanece no campo da utopia.
Do ponto de vista comportamental, o anarcocapitalismo defende o direito à vida, à propriedade, à não agressão e à soberania do indivíduo como direitos naturais. Embora entenda que não seja necessário um ente, o Estado, a regular essas relações.
A base predominante do anarcocapitalismo é o liberalismo, sendo portanto uma ideologia que se aproxima da direita. Mas vai além da ideia do Estado mínimo, defendida pelos liberais. Sendo mais radical. Por isso, não é incomum classificar as pessoas que postulam essa filosofia como de extrema direita, ainda que haja diferenças de personalidades como Trump e Bolsonaro. Essas nuances, no entanto, não inviabilizam simpatias. Milei, por exemplo, recebeu apoio do ex-presidente brasileiro e de um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.