Previamente desconhecido no cenário político argentino até 2021, o economista Javier Milei, avançou significativamente na corrida presidencial no país vizinho. Javier lidera as Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (Paso). Essas primárias servem como um indicador para a disputa presidencial na Argentina. De pensamento liberal, Javier se apresentou como uma nova força política, surpreendeu e se destacou, obtendo mais de 5 milhões de votos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Com 97,42% dos votos apurados, Javier Milei tem 30,04% dos votos À frente da coalizão de centro-direita Juntos por el Cambio (28,27%) e da coalizão da esquerda que governa o país Unión por la Pátria (27,27%).
O líder da coalizão Liberdade Avança atraiu uma atenção significativa por parte do eleitorado argentino ao se apresentar como uma alternativa "diferente de tudo que está aí". Com seu lema de ser "contra a casta política", Milei enfatiza que não está alinhado nem com a política peronista nem com a oposição macrista. Esse discurso ressoou entre aqueles que estão exaustos da extensa crise econômica que tem assolado o país e que não foi resolvida durante os governos anteriores de Alberto Fernández e seu antecessor, Mauricio Macri.
À insatisfação popular se juntaram as discordâncias internas dentro das coalizões governista e opositora em relação às candidaturas presidenciais. A chapa peronista União pela Pátria (anteriormente conhecida como Frente de Todos) enfrentou conflitos até os últimos dias para estabelecer um candidato. Enquanto isso, a oposição da coalizão Juntos pela Mudança optou por apresentar dois nomes proeminentes para a disputa, mas não sem antes se envolver em acusações mútuas e disputas, chegando até mesmo a competir pela prefeitura de Buenos Aires.
Mais um outsider
Javier Milei representa a mais recente manifestação dos outsiders que emergiram na cena política nos anos recentes. Com 51 anos, o economista autodenominado anarcocapitalista afirmou sua intenção de desmantelar a elite dominante, reduzir o tamanho do governo e encerrar o banco central argentino. Ele alega que a política monetária inadequada do banco "rouba" dinheiro dos argentinos por meio da inflação.
Destaque no cenário eleitoral atual da Argentina, Milei apresenta propostas de cunho radical. Além de advogar pela dolarização da economia do país, ele propõe o término do ensino gratuito e compulsório, a ser substituído por um sistema de vouchers; a progressiva privatização do sistema de saúde; a desregulamentação do mercado de armas; e o fim da educação sexual obrigatória.
No entanto, uma promessa parece ter gerado um impacto significativo: Milei declarou que, se eleito, ele sortearia seu salário mensal.
— Para mim, isso é dinheiro sujo. Do meu ponto de vista filosófico, o Estado é uma organização criminosa que se financia com impostos retirados das pessoas à força. Estamos devolvendo o dinheiro que a casta política roubou — afirmou.
Desde que Milei assumiu o cargo em dezembro, 2,4 milhões de argentinos se registraram para ter a oportunidade de concorrer em sorteios ao vivo nas redes sociais, visando receber seu salário mensal de US$ 3.200. Com efeitos talvez ainda mais impactantes, o político que anteriormente estava em grande parte desconhecido, e cujas ideias frequentemente divergem do mainstream político local, lidera as primeiras pesquisas para a eleição presidencial do próximo ano, angariando apoio de eleitores de diversas inclinações políticas.
— Milei articula a raiva das pessoas melhor do que ninguém. Sua verbosidade contra a liderança política o ajuda a construir apoio baseado em resultados econômicos fracos na última década — disse Lucas Romero, diretor da empresa de consultoria de Buenos Aires Synopsis.
Segundo Milei, em sua presidência, ele implementaria cortes substanciais nos gastos públicos, permitindo assim uma diminuição nos impostos, e também buscaria fortalecer as relações com os Estados Unidos e outras nações ocidentais, buscando o apoio de aliados que se contrapõem às ideias de esquerda emergentes na região.
— A América Latina só tem uma saída se abraçar ideias de liberdade mais uma vez. Eu cortaria meu próprio braço antes de aumentar os impostos — declarou ao The Washington Post no ano passado.
Milei é possivelmente o integrante mais radical de um conjunto de libertários que conquistaram triunfos nas eleições de meio de mandato em 2021. Essa foi a primeira ocasião em décadas em que a filosofia de governo limitado angariou um apoio substancial, o que se mostrou surpreendente em uma nação há muito tempo dominada por diferentes ramificações do peronismo de tendência esquerdista.
A ascensão de Milei foi impulsionada por um amplo sentimento de pessimismo e apatia. Embora o país tenha firmado um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para evitar o mais recente de uma série de calotes, a inflação mensal de 6,7% registrada em março sugere que as pressões sobre os preços estão se agravando. Pesquisas indicam que a maioria dos argentinos acredita que a situação econômica estará pior daqui a um ano e antecipa um futuro mais difícil também para suas gerações futuras.
— Hoje, Milei é um repositório das frustrações das pessoas. As expectativas são incrivelmente baixas. Cada líder político que medimos tem uma imagem pública muito ruim, e isso é algo que nunca vi em anos — relatou Mariel Fornoni, diretor da empresa de pesquisas de Buenos Aires Management & Fit.
Infância dura e carreira como jogador de futebol
Milei atuou como goleiro no clube de futebol argentino Chacarita Juniors, porém encerrou sua carreira no início dos anos 1990. Nascido no bairro portenho de Palermo em 22 de outubro de 1970, Milei vivenciou uma infância marcada por controvérsias familiares. Ele reconhece abertamente que suas relações familiares eram tensas, tendo uma conexão sólida somente com sua irmã, Karina Milei. Ele declara que ela é a pessoa que melhor o compreende e descreve-a como a "mentora principal" de seus eventos políticos. Em várias entrevistas, Milei mencionou que, caso seja eleito presidente, ela desempenhará o papel de primeira-dama.
O jornalista Juan Luis González faz parte dos investigadores por trás da biografia não autorizada do economista, intitulada "El Loco". Em conversa com a CNN, ele revelou que a passagem de Javier Milei pelo Colégio Cardenal Copello, em Villa Devoto, foi marcada por episódios de bullying durante grande parte de sua vida.
A partir de 2018, a trajetória ascendente de Milei ganhou destaque nos principais veículos de comunicação argentinos, à medida que ele divulgava seu discurso "liberal libertário", como ele costuma chamá-lo. Suas aparições nos meios de rádio e televisão locais geraram controvérsias, suscitando debates não apenas entre seus colegas economistas, mas também entre jornalistas e apresentadores.
O ponto culminante em sua trajetória política surgiu em 2020, quando anunciou sua candidatura à presidência nas eleições de 2023. Essa decisão pavimentou o caminho para que seu partido, La Libertad Avanza, conquistasse duas cadeiras na Câmara dos Deputados no ano subsequente, com ele e sua candidata à vice-presidência, Victoria Villarruel, assumindo essas posições.
Enquanto a competição nas fileiras dos partidos políticos tradicionais da Argentina permanecia incerta, Milei beneficiava-se de ser o único nome confirmado para as primárias, agendadas para agosto, e já ocupava espaços na televisão e no rádio para disseminar suas ideias sobre governança.
Suas declarações contundentes contra os políticos, juntamente com sua característica distintiva de cabelos desalinhados — que lhe renderam comparações ao ex-primeiro-ministro britânico Boris Johnson — cativaram uma audiência que se sentia representada por sua abordagem mais acessível "ao povo". No entanto, foi seu diploma de economista que conquistou a confiança de parte da população argentina de que ele possuía a capacidade de solucionar a questão da inflação que ultrapassava os 110%. Ainda que seus planos fossem às vezes vagos ou radicais, como a abolição do Banco Central ou a dolarização da economia, em um contexto de saída significativa de dólares.
Escândalo recente
Além das alterações no tabuleiro político de seus oponentes, Milei encontra-se atualmente em meio a um dos maiores escândalos envolvendo seu nome desde seu ingresso na política em 2021. A Justiça Eleitoral argentina lançou uma investigação em resposta a alegações de venda de candidaturas dentro da coalizão Liberdade Avança.
Conforme denunciado por ex-aliados do candidato, sua equipe teria exigido mais de US$ 50 mil dólares em troca da indicação de nomes para concorrer a cargos de prefeito, vereador e governador nas eleições provinciais. Áudios divulgados pelo jornal La Nación, nos quais Milei é mencionado pelo nome, reforçaram essas alegações, resultando na abertura da investigação pela Justiça. Ele refuta as acusações, afirmando ser vítima de difamação.
Ademais, nenhum dos candidatos apoiados por ele conseguiu conquistar cargos nas eleições provinciais até o momento, que têm sido dominadas pelos candidatos apoiados pelo governo. Entretanto, ainda restam eleições importantes em províncias que concentram a maioria do eleitorado, como Buenos Aires e Santa Fé.