Passado o estupor dos mundos político e econômico com a vitória de Javier Milei, um liberal radical que se autointitula "anarcocapitalista", nas primárias argentinas, as Paso, no domingo (13), os números da apuração revelam possíveis cenários a dois meses e meio da eleição real, em 22 de outubro.
No âmbito das coalizões, a verdade é que a diferença entre os principais grupos políticos que disputarão o pleito não chega a três pontos percentuais. Um ponto separa a União pela Pátria, do governista Sergio Massa, que ficou em terceiro, da Juntos pela Mudança, de Patricia Bullrich, que chegou ao segundo lugar. Desta para a coalizão Liberdade Avança, de Milei, a diferença é de 1,77 ponto. Entre o primeiro e o terceiro colocado, o espaço é de 2,77 pontos.
Ou seja, a eleição está embolada, e, neste momento, qualquer um dos candidatos, Milei, Bullrich ou Massa, pode chegar à presidência. Mas o caminho é mais penoso para alguns. O que provoca calafrios entre alguns estrategistas do kirchnerismo e da direita tradicional, do ex-presidente Mauricio Macri, é observar os números individuais: todos os 30,04% dos votos de Milei são só dele. Não ocorre o mesmo com Bullrich, que dos 28,27% que sua coalizão obteve, conquistou 16,98% — seu adversário interno, o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, ficou com 11,30%. Na coalizão governista, a União pela Pátria, Massa chegou a no máximo 21,40%, contra 5,87% de Juan Grabois.
A vitória de Milei é fruto da descrença política, mas também é culpa da desorganização das legendas e de brigas internas das coalizões. Na Juntos pela Mudança, houve divisões que fizeram as campanhas chegarem atrasadas às ruas. Na seara governista, as divergências entre o presidente Alberto Fernández e a vice, Cristina Kirchner, também adiaram a definição de um nome. As duas coligações entraram divididas, enquanto Milei, solitário em seu feudo e combativo, aproveitou esse vácuo político.
A única certeza na Argentina é que haverá segundo turno. Mas a boa votação de Milei não o coloca diretamente no "ballotage", como dizem os hermanos. Isso se deve às idiossincrasias da política do país vizinho: primeiro, as Paso são obrigatórias, o que, em tese, garante ao pleito a fama de bom termômetro do que irá ocorrer na eleição propriamente dita. Mas, assim como para os estrategistas, esse é um momento de "tirar a febre" do eleitoral, para o eleitor também o é uma maneira de testar os políticos. Não é incomum o argentino expressar seu voto de forma menos comprometida nas primárias para "ver no que dá" e depois mudá-lo lá na frente. Segundo, apesar de o voto ser obrigatório nas Paso, a abstenção foi muito alta, em torno de 31%. São esses eleitores que irão decidir quem irá habitar a Casa Rosada.
No caso de Milei, os 30,04% podem ser seu teto de votação. Seu discurso radical dificulta a obtenção de apoio de outros grupos políticos — a menos que calibre seus delírios liberais, dificilmente conseguirá expandir essa votação. Já a ex-ministra Bullrich depende não apenas de absorver todos os 11,30% de Larreta, mais moderado, mas conquistar os votos dos que não foram às urnas — para isso terá de se dirigir ao centro. Com fama de linha-dura contra a criminalidade, ela disputa, em parte, o mesmo eleitor de Milei, embora, na economia, carregue nas costas o fracasso do mandato de Macri.
O cenário mais difícil é o de Massa, que, além de garantir a totalidade dos peronistas desgarrados, que votaram em Juan Grabois (5,87%), precisa atrair os independentes, em meio a um cenário de crise galopante em que fica praticamente impossível defender uma imagem que o dissocie, como atual ministro da Economia, de responsável pela tormenta.