Enquanto Buenos Aires, a capital da Argentina, enfrenta uma onda de protestos contra as medidas econômicas implementadas pelo novo presidente do país, Javier Milei, a expectativa no Rio Grande do Sul segue aquecida pela passagem dos hermanos pelo Estado em direção ao Litoral. E, a julgar pelos dados das duas principais rotas gaúchas, o período não deverá marcar grandes perdas.
Vice-presidente executiva da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI), Gladys Vinci comenta que, em Uruguaiana, na Fronteira Oeste – uma das duas pontes que unem os países —, a percepção ainda é de movimento abaixo do convencional. Segundo ela, o atual cenário no país vizinho deverá influenciar negativamente o trânsito de imigração. Por outro lado, o ingresso de ônibus argentinos no Brasil aumentou 85% nos primeiros 11 meses deste ano – de 2.244 (736 de turismo e 1.508 regulares) para 4.156 em 2023 (1.830 de turismo e 2.326 regulares).
Na outra rota, em São Borja, o gerente comercial da Mercovia, empresa concessionária que administra o Centro Unificado de Fronteira (CUF), Alcir Jordani, informa que nos primeiros 27 dias de dezembro houve elevação de 12,7% na entrada de turistas argentinos. Até o momento, passaram pela ponte 10.370 visitantes do país vizinho. No ano passado, em igual período, eram 9,2 mil.
De acordo com o último levantamento realizado pelo Ministério das Relações Exteriores, em julho, este ano já havia batido todos os recordes, tanto de ingresso de turistas estrangeiros quanto de gastos. Até a virada do primeiro semestre, os dados revelam crescimento de 108% na comparação com os seis meses iniciais de 2022.
Foram 2,97 milhões de visitantes, a maior parte argentinos, cerca de 40%, ou 1,2 milhão. No acumulado do período, o fluxo adicional de pessoas foi responsável por injetar US$ 2,721 bilhões na economia do país, o que equivale a uma elevação de 36% sobre o montante verificado no ano anterior.
O Rio Grande do Sul é o segundo Estado no ranking das principais portas de chegada para os viajantes internacionais, atrás apenas de São Paulo e à frente de Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná. A explicação passa pela fronteira com a Argentina e a movimentação no veraneio.
Momento propício para o fluxo reverso
Proprietário de dois hotéis em São Borja, Celso Lopes constata diminuição equivalente a um terço das reservas em relação ao ano passado. Ele relata, contudo, que, desde o dia 20, houve acréscimo de reservas via agências de turismo.
— Isso está relacionado com a eleição e a posse do novo presidente. As medidas desvalorizaram o peso (moeda oficial argentina), o que gera insegurança. Ainda assim, sempre tem pessoas de maior renda que não vão deixar de vir, inclusive muitos possuem imóveis próprios em Santa Catarina — diz.
Lopes também argumenta que as praias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina “são a paixão dos argentinos”. Nesse aspecto, quando comparadas aos destinos do Uruguai (Punta del Este, por exemplo), os preços por aqui tendem a ser mais competitivos.
— E lá (no Uruguai) a água é fria, por isso acreditamos numa boa temporada — sustenta.
Um dos estabelecimentos — o Executivo Park Hotel, localizado no trevo de acesso de São Borja, próximo à ponte internacional — é o que mais recebe os argentinos. Este ano, ele destaca o aumento de brasileiros com destino à Argentina, apesar da elevação dos preços. Uma cerveja Quilmes, para se ter uma ideia, que antes de Milei custava 1,7 mil pesos, hoje sai por 3 mil, ilustra.
O valor equivalente em reais, entretanto, depende do câmbio local, onde é possível encontrar variações entre 160 pesos e 200 pesos para cada R$ 1, o que significa variação de 25% entre o mais barato e o mais caro. Ainda assim, do lado argentino há relatos de escassez de moeda, o que faz com que os consumidores desprevenidos se sujeitem às cotações praticadas por cada estabelecimento comercial.
A demanda verificada na rede de hospedagem condiz com o fluxo de migração. Segundo dados do CUF, em 27 dias de dezembro do ano passado 8.246 pessoas haviam deixado o país com destino à Argentina. No mesmo período de 2023, foram 13.388 – um acréscimo superior a 60%.
Levantamento do buscador Kayak, que atua há 10 anos no Brasil, indica que as buscas por destinos e passagens para a Argentina tiveram incremento de 75% na comparação com o ano passado, disparado o país mais buscado no ranking da plataforma, seguido pelo Chile (48%) e Uruguai (28%).
Tradição que gera investimentos no nicho
Não é por acaso que, há 23 anos, antes do advento do Airbnb e outros aplicativos de locação por temporada, Rose Kilian decidiu oferecer um dos cômodos da casa onde vive em Pantano Grande para o pernoite dos viajantes. Ela conta que a ideia surgiu ao ver o fluxo de placas pretas, características do país vizinho na Estrada.
A cidade, às margens da BR-290, com o passar do tempo, acabou se tornando um paradouro. Hoje com 14 acomodações, Rose relata que um dia após o Natal, em 26 de dezembro, a lotação estava esgotada — eram 13 famílias argentinas e uma do Uruguai.
— Me parece que vamos ter uma bela temporada em 2024. Em 2023, talvez em razão da pandemia, foi uma excelente, nunca vi tanta procura, e agora já temos muitas reservas confirmadas — comenta.
Próximo dali, o proprietário do Hotel Cabanas, Gustavo Vieira, também em Pantano Grande, tradicional paradouro dos hermanos em frente à rodoviária do município, percebe um cenário diferente. Ainda que perceba a chegada de ônibus turísticos argentinos.