Além de resistências poderosas, o PL das Fake News enfrenta um problema de berço: seu nome de batismo. Em um país em que a expressão "fake news" é central na disputa política, o projeto que poderia contribuir para reduzir a mentirada acabou alimentando a confusão.
A coluna quer contribuir para a compreensão: o foco do projeto é - ou deveria ser - simplesmente regular uma atividade que, até agora, não tem regras para operar no Brasil. Em perspectiva histórica, as redes sociais são um fenômeno recente, mas já acumulam quase duas décadas de existência - uma de popularização. Portanto, não podem seguir à margem.
As iniciativas de regulação começaram na União Europeia e focaram, no início, a concorrência desleal de gigantes como Google e Facebook. Nos Estados Unidos, uma investigação contra as empresas de Mark Zuckerberg, hoje unificadas na Meta, foi aberta, mas travou. No ano passado, os europeus voltaram a traçar o caminho ao aprovar uma legislação para regrar não só as redes sociais como todas as big techs, que até então operavam sem qualquer restrição.
Se em mercados mais desenvolvidos a resistência em aceitar limites ocorre de forma, digamos, mais polida, no Brasil embrutecido pelos métodos da disputa política as gigantes acabaram assumindo a mesma falta de civilidade. Primeiro, foi o Google, depois o Telegram, operando em parceria lucrativa com a Meta. Imagine-se outra situação: se, durante a votação de restrições ao cigarro, que tiveram seu auge na década de 1990, as indústrias de tabaco tivessem feito algo semelhante ao que fazem hoje as big techs, seria inadmissível. Por que muita gente acredita que, agora, esse comportamento é defensável?
O método de ataque contraria seu próprio discurso de proteção a cobranças. Sempre sustentaram que não eram empresas de comunicação, mas plataformas de compartilhamento de conteúdo. Atuaram com editoriais que não resistem a acusações de calúnia - o do Telegram continha evidentes mentiras como "a democracia está sob ataque" e a de que "matará a internet moderna". Não fosse a reação do Judiciário, não dariam espaço ao contraditório, essencial na atividade de comunicação. Abusaram de seu poder econômico para fazer campanha aberta contra um projeto que, em tese, é de interesse público.
O projeto precisa ser discutido e aperfeiçoado - já incluiu distorções como um suposto "ministério da verdade". Mas o foco do debate tem de estar no usuário e na sociedade, não nos principais interessados em manter uma nova casta de empresas bilionárias que têm negócios ilimitados e até agora sem regulação, especialmente em países menos desenvolvidos. Assim como é fato que as redes sociais não pode ser apagadas na atual fase da existência humana, é fato que é necessário reduzir a assombrosa assimetria de regulação entre essa atividade e praticamente todas as demais.