Para acompanhar o debate econômico - escasso, mas existente - da reta final da campanha eleitoral, é fundamental entender o tamanho da encrenca que espera o presidente, eleito ou reeleito, em 2023.
Os cálculos sobre o rombo fiscal do próximo ano variam de R$ 103 bilhões - na versão mais resumida, a do Instituto Fiscal Independente (IFI), que só considera gasto a mais com o Auxílio Brasil - a R$ 435 bilhões na mais abrangente. Mas por que existe esse abacaxi gigante, mesmo com tamanho final pouco exato?
Os pesos mais pesados são duas unanimidades, embora também com divergência na avaliação de valor: uma é a necessidade de garantir recursos para manter o benefício social de R$ 600, seja com o nome de Auxílio Brasil ou Bolsa Família – conforme quem vença a eleição. As estimativas variam de R$ 50 bilhões a R$ 64 bilhões, o que não é uma diferença pequena.
E porque a variação é tão grande? Dependendo do eleito, as bases do programa de renda mínima podem mudar. Sem contar que os dois candidatos já prometeram acréscimos aos R$ 600: Jair Bolsonaro (PL) quer agregar R$ 200 ao Auxílio Brasil para quem conseguir emprego e pagar 13º salário às mulheres beneficiárias; Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promete R$ 150 a mais por família para cada criança abaixo de seis anos (clique aqui para ler).
Além disso, está previsto em lei que o governo federal compense os Estados e municípios pela redução forçada de ICMS sobre gasolina, energia e telecomunicações. Mesmo na projeção mais abrangente, que chega a R$ 435 bilhões, a indenização estimada é a metade da devida: R$ 57 bilhões dos R$ 100 bilhões em perdas. Uma das maiores diferenças entre as projeções é a quantidade de variáveis consideradas. Obviamente, as escolhas de política econômica de eleito ou reeleito é que vão definir o valor final.
É por isso que se discute abertamente um "waiver" - algo assim como uma "licença para gastar" - em 2023, mesmo entre economistas mais defensores de responsabilidade fiscal. Henrique Meirelles, o mentor do teto de gastos, já admitiu, assim como o ex-secretário do Tesouro na gestão Temer, Mansueto de Almeida. Só que Mansueto pondera que "o mercado aceitaria" um waiver de gastos acima do previsto de até R$ 60 bilhões - o que já é muito. Meirelles, aliás, não aprova essa tradução livre que a coluna fez de "waiver":
O rombo não vem só da expectativa de mais gastos. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e o IFI, ligado ao Senado, estimam redução de receita com recolhimentos de dividendos e participações entre R$ 62 bilhões e R$ 57 bilhões, dada a expectativa de recuo nos preços do petróleo no mercado internacional e o efeito sobre lucros e dividendos da Petrobras.
Seria para evitar esse novo furo no teto no currículo de Paulo Guedes que estão em análise no Ministério da Fazenda medidas impopulares como a mudança na correção do salário mínimo - e, portanto, dos benefícios previdenciários ligados ao piso - e o fim da dedução de despesas de saúde e educação no Imposto de Renda.
Em nota, a pasta afirmou que "não existe uma proposta a ser adotada após as eleições que trate dos temas que têm sido veiculados pela imprensa" e que "supostos estudos, análises, ensaios, opiniões e outros tipos de trabalho eventualmente produzidos pelas áreas técnicas não podem ser incorretamente confundidos com propostas do ministério ou do ministro sem que tenham sido chancelados por ele".
A conta que chega a R$ 435 bi
Medidas | Valor (em R$ bi)
Com impacto no teto de gastos
Auxílio Brasil de R$ 600 | 64
Reajuste do funcionalismo | 20
Revisão das discricionárias | 45
Total extra-teto | 129
Com renúncias fiscais
Desonerações de IPI* | 14
Reajuste da tabela do IRPF*| 10,2
PIS/Cofins etanol e gasolina | 33
PIS/Cofins diesel |19,9
Total renúncias 77,1
1. Total na despesa primária (extra-teto + renúncias) | 206,1
Com impacto financeiro
Suspensão de dívida de Estados | 25
Outras despesas financeiras | 52
2. Total financeiro | 77
Outros impactos
Normalização da arrecadação de petróleo |62
Precatórios | 57,6
Compensação aos Estados | 32
3. Total outros | 151,6
Total primário + financeiro + outros | 434,7
(*) Só a parte do governo federal
Para entender
As "outras despesas financeiras" de R$ 52 bilhões, explicam os autores, vem do aumento do pagamento de juro sobre a dívida que resulta da diferença entre as projeções de consenso para os juros nominais em meados de 2022 e a taxa atual (13,75%). Os precatórios de R$ 57,6 bilhões são decorrentes de " eventual decisão política e/ou judicial para quitar o saldo acumulado que está sendo postergado desde a mudança no teto de gastos aprovada no final de 2021". A "normalização da arrecadação de petróleo" diz respeito à expectativa de que os preços não fiquem tão altos em 2023 e reduzam receitas de imposto de renda, dividendos da Petrobras e royalties. As rubricas "suspensão da dívida dos Estados" e "compensação aos Estados" dizem respeito à compensação da União pelo corte nas alíquotas de ICMS sobre gasolina, energia, telecomunicações e transporte público. As duas somam os R$ 57 bilhões dos R$ 100 bilhões que seriam devidos, conforme os autores.