Simão Silber, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA/USP), é alinhado aos conceitos ortodoxos da teoria econômica, mais focado em disciplina fiscal do que em "desenvolvimentismo". Até por isso, surpreende ao afirmar que não há possibilidade de ajuste fiscal sem crescimento no Brasil de 2023. Adverte que o cenário externo será tão hostil no próximo que os desafios serão enormes, seja qual for o eleito.
Qual é o principal desafio na economia em 2023?
Sem dúvida, a retomada do crescimento. Não será tarefa fácil, porque o ambiente internacional no próximo ano será muito hostil. Quase todos os bancos centrais subiram os juros. As grandes exceções são Japão e China. O Japão vive o que a gente chama de estagnação secular, desde os anos 1990, quando houve o estouro da bolha especulativa no país. Na época, o preço dos imóveis era tal, no Japão, que se o imperador vendesse o palácio poderia comprar todo o Estado da Califórnia. A China também passa por um boom imobiliário, tem mais dificuldade em elevar as taxas de referência. Mas União Europeia, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e países emergentes já elevaram. O maior impacto será em 2023. Qualquer que seja o incumbente, não vai pegar maré alta como Lula na primeira vez, quando o boom das commodities o beneficiou, a China crescia 15% - neste ano, deve crescer 3%. E aqui dentro, foi preparado um conjunto de bombas-relógio que podem complicar o próximo ano.
Quais são as bombas?
Auxílio Brasil, auxílio caminhoneiro, auxílio a Deus e todo mundo. Em tese, estão datados até o final do ano. A primeira coisa que o presidente vai ter de decidir é se mantém ou se deixa terminar. Se não fizer nada, acaba. Como os dois candidatos têm sido bastante flexíveis em relação ao teto de gastos, a prorrogação é provável. Se fizer isso, terá de furar o teto de gastos.
Seria um risco?
Como a situação internacional está desfavorável, com juro muito alto, não renovar parte desses benefícios mostraria alguma seriedade. Em 2023, se o Brasil crescer o que o mercado espera, será 0,5%. Qualquer que seja o vencedor da eleição, terá crescimento pífio em 2023. Este foi mais um voo de galinha, esse animal que, por problema de aerodinâmica, se joga no ar e se arrebenta no chão. Os problemas de crescimento do Brasil vêm desde 1980. Passamos para crescimento médio de 2%. Se o PIB cresce 2% e a população, cerca de 0,7%, significa que a renda per capita avança 1% ao ano. Nesse ritmo, levaríamos 50 anos para dobrar a renda per capita dos brasileiros. O primeiro mandato do Lula foi muito conservador, até estourar o problema da corrupção, que criou ambiente muito desfavorável que terminou com enorme descontrole fiscal. Com base na experiência do primeiro e até do segundo mandatos, Lula possivelmente vai fazer um governo conservador. Também ficou mais velho, e não faz muito sentido gerar uma crise. Vai querer deixar um legado. Estou propenso a acreditar que o governo dele vai ser sensato.
Os dois candidatos mais bem colocados querem acabar com o teto de gastos.
Uma coisa é o discurso, outra, a prática. Se aumentar a dívida já alta, vai ver imediatamente fuga de capital, que já é previsível independentemente da extinção do teto. Se a dívida explodir aqui e o juro nos EUA chegar a 6,25%, como se prevê, a taxa de câmbio poder ir a R$ 8, a inflação pode chegar a 20%. O governo acaba antes de começar.
Pode haver uma alternativa ao teto, como a que o ministro Paulo Guedes já prepara?
Seria uma meta de superávit primário (sobra de recursos públicos entre receita e despesa, sem contar pagamento da dívida). Nesse momento, é utópico. Não existe ajuste fiscal sem crescimento. Se for para o Congresso e pedir aumento da carga tributária, vai ouvir um sonoro 'não'. Então, como ampliar a arrecadação? Aumentando o crescimento. Se o PIB avança, as empresas têm mais lucro, pagam mais imposto. É a única forma de aumentar a receita, com crescimento mais significativo. Dá pra cortar despesa? Está tudo engessado. A despesa descontrolada é com pensões e aposentadorias, não dá mais para cortar. Se a economia cresce, tem mais dinheiro para pagar todas essas contas. Aí pode aparecer um superávit primário. Sem crescimento, o Brasil não tem solução.
E como se cresce mais?
Tenho um grupo de trabalho com três pesquisadores da USP (Carlos Luque, Francisco Vidal e Roberto Zagha) há muito tempo. Produzimos vários artigos sobre como desatar os nós do crescimento do país. Nenhum dos dois candidatos têm comprometimento com o crescimento. Envolve algo que nenhum dos dois cogita, concessões e privatizações. Não têm perfil de passar o investimento para o setor privado. O governo está quebrado. É preciso abrir a economia. Nosso setor industrial tem de comprar aqui dentro insumos de baixa qualidade, não tem competitividade.
O quanto a recessão ou desaceleração prevista para 2023 no mundo vai nos impactar?
O que se espera para 2023 é estagflação, termo que todo mundo já ressuscitou. É inflação com baixo ou nenhum crescimento. Será a segunda. A primeira estagflação ocorreu com Paul Volker no Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), em 1979. Agora será com Jerome Powell. É o filme repetido, um flash back do que aconteceu entre 1979 e 1982. Na época, o choque não veio da pandemia e da guerra, mas do petróleo, que saiu de US$ 1,80 para US$ 35 em dois choques sucessivos. A inflação no mundo disparou, e havia um falcão no Fed, que era Volker. Jogou o juro para 20,5% quando a inflação era 13%. Quando o Fed aumenta muito o juro, a inflação tende a cair. Mas quem tem dinheiro no Brasil não quer ficar aplicado aqui se a remuneração em dólares é boa. Há risco de fuga de capitais, seguida de uma enorme depreciação cambial. Toda vez que o Fed aumenta juro, o mundo compra a inflação dos EUA via câmbio. Quem não quer também vai aumentar juro para se proteger dessa inflação do Putin. E a inflação não vai baixar tão rapidamente.
Mas esse cenário não é de longo prazo, é?
Se eu fosse candidatos, torceria para perder. O eleito vai pegar um abacaxi no mundo e no Brasil em 2023. Quem se eleger vai querer olhar para o futuro e tentar fazer algo adequado. A visão que tenho, e que é bastante difundida entre analistas é de horizonte turbulento, muito desgastante do ponto de vista político.Mas esse país é absolutamente viável. Uma melhora no ambiente político já permitirá uma equação mais adequada.