Anna Cavazzini, do Partido Verde da Alemanha, atua no parlamento europeu desde 2019. Preside a Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores e foi uma das incentivadoras da resolução que proíbe a importação de produtos originados de áreas desmatadas, aprovada por 453 votos a favor e apenas 57 contra na última terça-feira (13) no legislativo da União Europeia.
A medida que impacta as exportações brasileiras ainda precisa ser negociada diretamente com cada um dos 26 países do bloco para virar lei. No parlamento europeu, Anna é também vice-presidente da delegação de relações com o Brasil, e representante dos Verdes nas negociações do acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul.
Em julho, com outros dois eurodeputados, visitou o Pará. O grupo se encontrou com pesquisadores e ativistas ambientais brasileiros, e conheceu um território indígena.
Qual é o alcance da medida aprovada pelo parlamento europeu para o combate ao desmatamento?
A resolução que regulamenta cadeias de suprimento de produtos livres de desmatamento é uma virada de jogo que era necessária com urgência. As florestas são indispensáveis para a biodiversidade e para o clima do planeta, além de ser o lar de milhões de pessoas indígenas. O nível dramático de desmatamento está colocando as florestas em perigo. Empresas europeias estão contribuindo para esse cenário ao importar carne e outros produtos provenientes de áreas desmatadas em outros países, então devemos fazer tudo que podemos para parar isso. Essa regulamentação de produtos livres de desmatamento tem papel crucial para isso. Agora falta a negociação com os países-membros para efetivar essa legislação, e a medida deverá entrar em vigor após esta etapa.
O desmatamento no Brasil impacta as relações comerciais do país com a União Europeia?
Definitivamente, e impactará de forma crescente. Nos últimos anos, principalmente a partir de 2019, o desmatamento no Brasil se acelerou de forma assustadora. Com essa nova legislação que impossibilitará a entrada na União Europeia de produtos derivados de áreas desmatadas em florestas como a Amazônia, o avanço dessa atividade no Brasil irá prejudicar as exportações do país, pois muitos produtos com essa origem passarão a ser totalmente restringidos.
Esse histórico recente atrapalhou a ratificação do acordo entre Mercosul e União Europeia?
Sem dúvida. Sobre o acordo, também diria que alguns marcos e mecanismos importantes de sustentabilidade estão faltando no texto original, e algumas partes precisariam ser atualizadas. Combinado a isso, o comportamento e as políticas de Jair Bolsonaro em relação ao ambiente também contribuíram para que a resistência à efetivação do acordo crescesse na Europa, o que levou à situação atual, com o acordo completamente parado. Se as ações de Bolsonaro tivessem sido diferentes desde o começo, seria improvável que o acordo ainda não tivesse sido ratificado.
Na visita à Amazônia em julho, com outros dois membros do parlamento europeu, o que mais chamou a atenção?
A ausência do Estado, e como há um enorme problema de fiscalização e combate ao crime na região. Conseguimos entender que os problemas na Amazônia estão diretamente ligados a outras atividades criminosas, como pesca ilegal, mineração ilegal, garimpo e também desmatamento. Vimos um local onde ocorria atividade ilegal de garimpo, com as balsas, em pleno território indígena, o que me chocou muito. Falamos com as pessoas da comunidade, e vimos os efeitos devastadores do mercúrio que restava das atividades de garimpo, e como os indígenas estão vulneráveis a ataques de criminosos armados. Foi muito chocante, mas também muito importante para que nós entendamos melhor a situação real na floresta e para que tenhamos maior senso de urgência sobre as necessidades da região.
Como repercutem no continente europeu esses crimes que têm ocorrido na Amazônia?
Nos últimos anos, a atenção tem crescido. Como mencionamos, os índices de desmatamento cresceram muito, assim como os incêndios naturais na floresta, e esses acontecimentos têm captado a atenção de todos na Europa. Os assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira também repercutiram muito, também talvez pelo envolvimento de um cidadão europeu, o que gera uma conexão ainda maior, mas os incêndios e o desmatamento já repercutiam e seguem repercutindo muito.
O verão de temperaturas e secas históricas na Europa aumentado o alerta para os efeitos da crise do clima?
Já no verão passado havíamos tido eventos climáticos excepcionais que despertaram preocupação, como chuvas excessivas e as enchentes devastadoras na Alemanha e na Bélgica, por exemplo. Neste verão, em todo o continente, o efeito parece ainda maior. Estamos observando temperaturas recordes em vários países, secas históricas nos rios e o aumento de incêndios florestais. Ano após ano, as pessoas estão percebendo que a crise do clima não é uma ameaça no futuro, mas algo que já causa muitos danos no presente, e que estão ficando maiores e mais impactantes.
* Colaborou Mathias Boni