Se há uma estratégia que o Brasil conseguiu manter, a despeito da troca de governos e de muita polêmica, é a de um escudo de cédulas verdes a turbulências internacionais.
No entanto, discute-se no Ministério da Economia uma nova politica de metas: a do volume de moeda estrangeira em poder do Banco Central, com direito a "bandas de flutuação". Se as reservas passassem do o teto, o BC seria obrigado a vender reservas. Quando ficassem perto do piso, a instituição teria de comprar dólares.
Na lógica do Ministério da Economia, o BC não é proprietário das reservas, apenas seu administrador. É verdade, mas o dono também não é o governo federal, é o povo brasileiro, que financia a estratégia. Com base nessa obviedade, surgiu a proposta de fixar teto, piso e bandas para as reservas. A intenção seria forçar a instituição a informar qual é a política cambial, como ocorre com a política monetária, em que o Conselho Monetário Nacional (CMN) fixa metas para a inflação e põe o BC a correr atrás - ainda que seja para perder feio, como em 2021 e 2022.
A iniciativa pegou o mercado de surpresa, diferentemente de outra proposta de mudança, a que está sendo preparada para substituir o teto de gastos. No caso da meta de dívida, substituiria um instrumento que foi desgastado pelo próprio governo. No caso de um teto esburacado, o melhor, mesmo, é trocar. Mas a política cambial, embora provoque debates, de tempos em tempos, se não é muito caro manter o tal escudo, tem permitido que o gripes no Exterior virem pneumonia no Brasil.
Nesse caso, a expressão "em time que está ganhando, não se mexe" se aplica à perfeição à economia de um país em desenvolvimento, com tantos problemas a resolver. Se é verdade que a muralha verde perdeu altura nos últimos anos — chegou ao topo de US$ 401,6 bilhões em 23 de agosto de 2019, agora está em US$ 338 bilhões (dado de 12 de setembro) — ainda é quase 10 vezes maior do que há 20 anos. As reservas são formadas exatamente para evitar que, em momentos de turbulência internacional, o real perca valor frente ao dólar e provoque mais problemas dentro do país.
Além disso, o mecanismo pode acabar reforçando movimentos extremos de mercado. Quando ocorre um movimento brusco de saída de dólares do Brasil, o nível de reservas costuma cair. Se atingir o piso e o BC for obrigado a comprar divisas, a tendência é reforçar a desvalorização da moeda nacional. E vice-versa.
E é ainda mais intrigante que a proposta tenha sido feita pouco tempo depois que o BC conquistou sua autonomia, ou seja, a capacidade de agir por contra própria, sem interferência do governo de plantão — este ou o próximo. Não bastasse, a palavra "banda" associada a câmbio provoca associação à famigerada "banda diagonal endógena", mecanismo anunciado para a saída do Brasil do sistema de câmbio fixo não assumido. Durou 15 dias, e oi um desastre técnico e político: levou a uma maxidesvalorização e ao escândalo dos bancos Fonte-Cindam e Marka, de Salvatore Cacciola.